Reajuste e franquias em planos de saúde devem gerar dívidas aos usuários

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de junho de 2018 às 21:11
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Especialistas apontam que novas regras farão com que beneficiários paguem por consultas e outros atendimentos

A regulamentação das
regras para aplicação de coparticipação e franquia em planos de saúde,
publicada nesta quinta-feira, 28 de junho, pela Agência Nacional de Saúde
Complementar (ANS), gerou controvérsia.

Especialistas
apontam que as novas regras farão com que os beneficiários dos planos paguem
também por consultas e demais procedimentos de assistência à saúde.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a
resolução produzirá três consequências: o endividamento dos consumidores, a
redução da busca por atendimentos na rede privada e a ampliação da pressão
sobre o Sistema Único de Saúde (SUS).

A norma estabelece percentual de até 40% a ser cobrado pela
operadora para a realização de procedimentos e determina limites mensal (não
pode ultrapassar o valor da mensalidade) e anual (não pode ultrapassar o
equivalente a 12 mensalidades) a serem pagos pelo consumidor por coparticipação
e franquia. A resolução isenta a incidência de coparticipação e franquia em
mais de 250 procedimentos, incluindo tratamento contra o câncer e hemodiálise.

Além disso, fica
proibido o uso de coparticipação e franquia diferenciada por doença ou
patologia. “Nós consideramos que, de maneira geral, a ANS trouxe algumas
questões interessantes, como as isenções de alguns procedimentos e fixação de
um limite de exposição financeira. De outro lado, esses mecanismos ainda não
dão conta de evitar o potencial de endividamento de consumidores”, afirmou a
pesquisadora em saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete.

A especialista
explicou que hoje já é comum que as pessoas contratem planos cujo valor alcança
o que elas podem gastar com esse serviço. A partir do momento em que outros
passarão a ser cobrados, cresce o risco de endividamento.

O Idec defendia que fosse mantido o percentual de 30% para as
coparticipações, que agora podem alcançar até 50%, em caso de planos coletivos.
A organização chegou a solicitar que a agência abrisse consulta pública sobre
esse tema, o que não ocorreu. Agora, Navarrete defende que uma forma de mitigar
esse possível impacto negativo é informar claramente aos beneficiários sobre o
fato de que, na modalidade de franquia e coparticipação, a mensalidade poderá
ser cobrada em dobro por um ano, a depender do procedimento realizado.

Endividamentos

Para evitar endividamentos, os consumidores podem passar a
pensar duas vezes antes de solicitar a realização de consultas e exames.

Na própria resolução, a franquia e a coparticipação são
apresentados como mecanismos financeiros de regulação, “fatores moderadores de
utilização dos serviços de assistência médica, hospitalar ou odontológica no
setor de saúde suplementar”. “Como você condiciona o acesso ao pagamento de
algum valor, você está criando limites para esse acesso. A chance de a pessoa
postergar o atendimento em saúde é muito alto, mesmo com o limite da exposição
financeira.”, sintetiza a especialista.

Mesmo em casos de
procedimentos isentos da incidência de coparticipação e franquia pela
resolução, a redução pode ocorrer, porque, as operadoras de planos privados de
assistência à saúde poderão se valer de “mecanismos de regulação
assistencial para gerenciar a demanda por serviços, na forma prevista em
contrato”. Um desses mecanismos é o direcionamento da rede, o que significa que
a operadora poderá limitar as clínicas e médicos que poderão ser buscados pelos
beneficiários, desde que previsto no contrato firmado entre as partes.

Planos populares

 O representante do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(Cebes) e conselheiro Nacional de Saúde, Heleno Rodrigues Correa Filho,
destacou que o estímulo à adoção desses mecanismos resulta de uma balança: a
Emenda Constitucional 95, ao fixar limite para gastos em saúde, fragiliza o SUS
e amplia a exploração do setor por parte de agentes privados. Prova disso,
segundo ele, é o crescimento exponencial de novos planos, como os que se
apresentam como “planos populares”.

Esses grupos privados, tradicionalmente, oferecem serviços de
baixa complexidade, como realização de consultas, e, conforme a capacidade de
pagamento dos contratantes dos planos, serviços complexos. Agora, eles também
estão avançando sobre atenção primária, saúde da família e atenção especializada.
“Eles prometem essas três coisas, mas não estão habilitados por infraestrutura,
orçamento e tradição a ofertar isso. Haverá, então, um choque de expectativas
muito grande, e a forma de solucionar isso é cobrar caro. Como a capacidade de
pagamento é restrita, vai funcionar como roleta de triagem. Aqueles que não
puderem pagar, vão ter o plano, mas não serão atendidos”, avaliou. Uma lógica
que contrasta com a do serviço público de saúde, que tem como meta a
universalização dos atendimentos.

Além de conter a
pressão sobre atendimentos, a cobrança “é uma estratégia de conversão de
despesas para os acionistas dos planos de saúde lucrarem mais”, ressaltou o
conselheiro do CNS, que critica a velocidade com que a resolução foi elaborada
e aprovada. Para ele, seria necessário debater mais o tema.

Consulta pública

A coparticipação e a franquia estão previstas em resolução do
Conselho de Saúde Suplementar datada de novembro de 1998, mas não havia
detalhamento sobre o tema. Para avançar nesse sentido, a ANS realizou consulta
pública em abril de 2017, pouco mais de um ano antes da publicação da norma.

Uma questão não abordada na consulta que tratou sobre a
regulação, e que também gera preocupação, é a possibilidade de planos de saúde
oferecerem descontos, bônus ou outras vantagens aos consumidores que mantiverem
bons hábitos de saúde.

A expectativa, segundo a ANS, é que a medida incentive a adesão
de beneficiários a programas de promoção da saúde e prevenção de doenças
mantidos pelas operadoras.

De acordo com Navarrete, o Idec “olha com muito cuidado
estímulos positivos que envolvam a operadora coletar dados sobre a saúde do
consumidor. Se ela o fizer, não pode utilizar essas informações para interesses
outros que são aqueles expressamente informados aos consumidores”, pois “dados
de saúde são dados sensíveis”, alertou.


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