Qualidade do sêmen está caindo e isso ameaça a reprodução humana

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 6 de maio de 2018 às 02:38
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:43
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Estudos estimam que 50% dos casos de infertilidade tenham como causa algum problema masculino

Quando um casal tem dificuldades para
engravidar, é comum que a mulher se torne a principal suspeita de ser infértil.
No entanto, estudos estimam que 50% dos casos de infertilidade conjugal – que
afetam cerca de 48,5 milhões de pessoas no mundo – tenham como causa algum
problema masculino.

E a tendência é que esses números
aumentem.

Estudos realizados em diversos países
mostram que a qualidade média do sêmen dos homens de todo o mundo vem caindo
pelo menos desde a década de 1930. Não há informações conclusivas sobre as
causas – as principais suspeitas recaem sobre o álcool, o cigarro e substâncias
químicas presentes em pesticidas, solventes e recipientes de plástico.

Um dos poucos estudos no Brasil sobre
o assunto foi feito recentemente pela bióloga Anne Ropelle em sua dissertação
mestrado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).

Ela conta que o Centro de Atenção
Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da universidade realiza exames de
espermograma desde 1989. Das 33.944 amostras registradas entre 1989 e 2016, ela
analisou 18.902.

Anne dividiu os
exames em cinco períodos de tempo e analisou os principais parâmetros que medem
a qualidade do sêmen: concentração (quantidade de espermatozoides na amostra),
motilidade progressiva (capacidade de movimentação, importante para o encontro com
o óvulo e a fertilização) e morfologia (sua forma). “Notamos uma queda
significativa em todos eles”, ela afirma.

A concentração seminal, por exemplo, caiu de 86,4
milhões de espermatozoides por mililitro (ml) no período de 1989 a 1995 para
48,32 milhões/ml entre 2011-2016. A porcentagem com boa motilidade baixou de
47,6% para 35,9%, e o índice dos que tinham formas normais reduziu-se de 37,1%
para 3,7%.

Apesar dessas quedas, os dois primeiros parâmetros
estão dentro dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
que são, respectivamente, mínimos de 15 milhões e 32%.

Quanto à morfologia, a porcentagem encontrada por
Ropelle está um pouco abaixo do que é considerado normal pela OMS, que é acima
de 4%. Esses dados podem ser um alerta. “Se os números continuarem caindo,
os casais poderão encontrar maior dificuldade para conseguirem uma
gestação”, diz a especialista.

Discussões

No exterior, as pesquisas sobre o tema são mais
antigas e numerosas. Todas apontam na mesma direção. O médico urologista
Leocácio Barroso, do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade
Federal do Ceará (UFC), cita algumas meta-análises (revisão sistemática de
várias pesquisas realizadas sobre um mesmo tema).

Uma delas foi feita pela bióloga dinamarquesa Elisabeth
Carlsen, que analisou 61 estudos sobre qualidade do sêmen realizados por outros
pesquisadores de vários países, entre 1938 e 1991. Os resultados foram
divulgados em 1992. “Ela mostrou que nesse período a concentração média de
espermatozoides caiu de 113 milhões/ml para 66 milhões/ml”, informa
Barroso.

Para ele, a mensagem essencial do estudo de Carlsen
e colaboradores é que a concentração seminal declinou globalmente em cerca de
50% no último século, atraindo uma atenção significativa e sendo foco de
diversas discussões. “A partir dessa publicação, diversos laboratórios têm
analisado seus próprios dados retrospectivamente e muitos estudos sugerem que,
de fato, houve um declínio na qualidade do esperma”, conta.

Um desses trabalhos foi divulgado cinco anos mais
tarde, em 1997, pela especialista em reprodução humana Shanna Swan, dos
Hospital Mount Sinai, de Nova York. Ela fez uma reanálise de 56 estudos
analisados por Carlsen e confirmou uma significativa queda na densidade
espermática nos Estados Unidos e na Europa, mas não em outras partes do mundo. “Mais
tarde, em 2000, ela realizou outra extensa meta-análise, dessa vez de 101
estudos, que confirmou o declínio na qualidade seminal no período de 1934 a
1996”, diz Barroso.

A própria OMS
reduziu os valores de referência que definem uma amostra seminal como
“normal”. “De 1987 até hoje, a organização publicou cinco
edições do Manual para o Exame do Sêmen Humano”, diz Barroso.

A publicação mais
recente, de 2010, traz valores de referência mais baixos do que os encontrados
na última edição, de 1999. Os novos parâmetros de concentração mínima foram
reduzidos de 20 milhões/ml para 15 milhões/ml, os da motilidade, de 50% para
32%, e os da morfologia, de 14% para 4%.

Para a definição de
tais valores, foram avaliadas amostras de 4.500 homens de 14 países de quatro
continentes. Barroso tem, no entanto, uma crítica ao manual. De acordo com ele,
enquanto algumas áreas foram super-representadas, como o norte da Europa,
outras foram subrepresentadas, como a África e a América do Sul. “De fato,
para esse estudo não foi avaliada nenhuma amostra proveniente do Brasil”,
diz. “Portanto, a interpretação e aplicação dos valores de referência
definidos pela última publicação da OMS para o brasileiro é imprecisa.” 

Estilo de vida

Que a qualidade seminal vem caindo no mundo é
praticamente uma certeza. Já as causas não são bem conhecidas. “Nosso
banco de dados não possuía informações sobre estilo de vida ou hábitos dos
pacientes, desta forma não pudemos correlacionar a queda a uma ou mais
causas”, afirma Anne. Mas há suspeitas.

Seu orientador, o ginecologista Luiz
Francisco Baccaro, da FCM da Unicamp, aponta alguns. “Vários autores
relatam que substâncias com efeitos similares ao estrogênio (hormônio cuja ação
está relacionada ao controle da ovulação e ao desenvolvimento de
características femininas), conhecidas como ‘desreguladores endócrinos’,
poderiam agir no feto do sexo masculino ainda no útero da mãe, levando a
problemas na função testicular”, diz.

Entre esses “desreguladores
endócrinos” estão substâncias químicas, presentes em pequena quantidade em
pesticidas, solventes e recipientes de plástico, por exemplo. Além dos fatores
ambientais, aspectos relacionados aos hábitos de vida também devem influenciar
a produção de esperma. “Alguns estudos demonstraram que o tabagismo e o
consumo de álcool em excesso podem diminuir a qualidade do sêmen”,
acrescenta Baccaro. “Além disso, um fator muito prevalente que influencia
nisso é a obesidade, que pode levar a um desequilíbrio hormonal. Um estudo
mostrou que homens com excesso de peso têm o esperma pior.”

Barroso cita outros suspeitos.
“O uso de telefones celulares têm aumentado as preocupações em relação ao
efeito das suas ondas eletromagnéticas na fertilidade”, afirma.

Estudo observacional recente, in-vivo e in-vitro, mostrou que os aparelhos podem causar uma diminuição da densidade, motilidade, viabilidade e morfologia dos espermatozoides. Hipertermia (alta temperatura) testicular também pode impedir a esperatogênese. Por isso, o uso de laptops próximo à genitália, utilização frequente de saunas e banheiras aquecidas estão entre os fatores considerados como possíveis causas da queda da qualidade do sêmen.


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