Principal causa da cegueira, glaucoma avança com envelhecimento

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de abril de 2019 às 21:20
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:31
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A prevalência da doença é 3 vezes maior e a chance de cegueira 6 vezes maior em latinos e afrodescendentes

Principal
causa de perda irreversível da visão, o glaucoma afetará 80 milhões de pessoas
em 2020 e 111,5 milhões em 2040, segundo projeções da Organização Mundial da
Saúde (OMS).

No Brasil,
há escassez de informações confiáveis e atualizadas sobre a prevalência da
doença, que neste ano é o tema central da campanha Abril Marrom, cujo objetivo
é prevenir e combater os diversos tipos de cegueira. “O que sabemos é que
nos últimos anos tem havido mais casos por causa do envelhecimento da população
e por se fazer mais diagnóstico hoje do que no passado”, diz Nara Gravina
Ogata, especialista em glaucoma infantil e adulto pelo Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP) e membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia
(CBO). 

O que é o glaucoma?

É uma enfermidade crônica e degenerativa do
nervo óptico (estrutura que envia as imagens do olho para o cérebro),
normalmente associada ao aumento da pressão intraocular – essa medida indica a
tensão no interior do olho e tem valor médio de 16 mmHg, mas até 21 mmHg ainda
é considerada dentro do limite da normalidade.

Ele provoca um estreitamento do campo visual, fazendo
com que a pessoa perca progressivamente a visão periférica.

Nara explica
que, na maioria dos casos, é assintomático. “É uma doença bem silenciosa.
Se instala e vai progredindo lentamente, durante meses ou anos, sem a pessoa
perceber. O problema é que, quando recebe o diagnóstico, o nervo óptico costuma
estar bem danificado e a visão periférica já muito comprometida”, afirma. 

Quem é acometido pela doença?

A patologia tem origens variadas, sendo a
genética uma das mais relevantes. Para se ter uma ideia, filhos de portadores
de glaucoma têm de 6 a 10 vezes mais chance de desenvolvê-lo.

Idade avançada também eleva os riscos. No geral, a
incidência aumenta a partir dos 40 anos, chegando a 7,5% aos 80, assim como o
uso de colírios com corticoide de forma indiscriminada e sem acompanhamento
médico, já que eles podem causar aumento da pressão intraocular.

A atenção
ainda deve ser redobrada em diabéticos, cardiopatas, vítimas de trauma ou lesão
(por exemplo, uma bolada ou cotovelada no olho) e pessoas de etnia africana ou
asiática.

De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência da
doença é três vezes maior e a chance de cegueira seis vezes maior em latinos e
afrodescendentes em relação aos caucasianos. 

Quais os tipos de glaucoma?

São vários os tipos de glaucoma. O mais comum é o primário de
ângulo aberto, que representa cerca de 80% dos diagnósticos. Ele é
assintomático e atinge pessoas a partir de 40 anos.

Neste
caso, a pressão intraocular sobe lentamente devido ao mau funcionando do ângulo
de drenagem do olho, responsável pela saída do líquido ocular (humor aquoso).
Via de regra, a perda de visão começa nos extremos do campo visual e, se não
for tratada corretamente, acaba por comprometer toda a visão.

O
primário de ângulo fechado, com maior incidência em asiáticos e portadores de
hipermetropia, ocorre quando o ângulo de saída do humor aquoso é bloqueado,
geralmente pela íris, e o fluído não consegue ser drenado.

No
geral, provoca aumento súbito da pressão intraocular, e o paciente pode ter dor
forte nos olhos e na cabeça e ficar com a visão turva.

O
glaucoma congênito se dá quando a criança nasce com uma má formação no sistema
de drenagem do fluído do olho. Seus sintomas incluem olhos sem brilho e de
coloração azulada, lacrimejamento, fotofobia e aumento do tamanho do globo
ocular. Pode se manifestar logo após o nascimento ou na infância. “Este é
um tipo pouco frequente, mas é fundamental o diagnóstico precoce para
tratamento imediato”, pontua Wilma Lelis Barboza, oftalmologista membro do
Conselho Brasileiro de Oftalmologia e presidente da Sociedade Brasileira de
Glaucoma (SBG).

E ela
acrescenta: “O teste do olhinho (reflexo vermelho), obrigatório em algumas
cidades, é a oportunidade perfeita para o pediatra avaliar possíveis doenças
oculares em recém-nascidos”.

Outro tipo
de glaucoma é o de pressão normal. Diferentemente dos demais, neste ocorre dano
ao nervo óptico mesmo sem a elevação da pressão intraocular. Suas causas são
desconhecidas, mas sabe-se que tem uma associação com problemas vasculares.

Há ainda
o secundário, desencadeado por fatores externos, como inflamação, trauma e uso
de colírios de corticoide por tempo prolongado sem indicação e acompanhamento
médico; o pigmentar, causado pela oclusão do ângulo de drenagem do olho por
pigmento que se solta da íris, e o pseudoesfoliativo, provocado pela obstrução
do sistema de drenagem do humor aquoso por depósitos fibrilares anormais. 

Como é feito o diagnóstico?

Como a maioria dos casos é do tipo assintomático, o
diagnóstico da doença se dá na consulta oftalmológica de rotina. Nesta ocasião,
informa a médica Nara Gravina Ogata, é imprescindível que seja feita a medição
da pressão intraocular e o exame de fundo de olho, para analisar o estado e o
funcionamento do nervo óptico. “Dependendo do caso, também podem ser
necessários mais alguns testes, como campimetria computadorizada (avalia os
defeitos do campo visual), paquimetria ultrassônica (mede a espessura da
córnea), tomografia de coerência óptica (verifica as estruturas da retina e do
nervo óptico) e retinografia (checa possíveis alterações no fundo do
olho)”, complementa.

Vale
salientar que pessoas a partir de 40 anos e quem tem histórico familiar de
glaucoma precisa procurar o oftalmologista com mais frequência. Na avaliação,
serão ponderados os fatores de risco e determinada a periodicidade das visitas. 

Quais as opções de tratamento?

Uma vez diagnosticado o glaucoma, o tratamento se dá com base
no seu tipo e estágio. Wilma Lelis Barboza, da SBG, enfatiza que ele não tem
cura, mas, sim, controle. “É uma doença crônica e progressiva, e o
objetivo do tratamento, qualquer que seja ele, é estabilizá-la, mas ele não
fará com que o paciente recupere a visão perdida. De toda forma, mesmo os casos
avançados, quando há perda importante da visão, precisam ser tratados de forma
regular, a fim de evitar a cegueira”, assegura.

As terapias são feitas com procedimentos
clínicos, cirúrgicos ou a combinação dos dois. No início da doença, normalmente
recomenda-se a aplicação diária de colírios específicos.

Entre os
mais usuais estão: análogos da prostaglandina (travoprosta, bimatoprosta e
latanoprosta), beta bloqueadores (maleato de timolol), inibidores da anidrase
carbônica (cloridrato de dorzolamida) e agonistas de receptores adrenérgicos
(tartarato de brimonidina). Eles podem ser usados separadamente ou combinados.

Em
algumas situações também se faz necessário o uso de laser. As primeiras etapas
do glaucoma de ângulo fechado, por exemplo, são realizadas dessa forma. A
cirurgia, por sua vez, é indicada em cerca de 10% dos casos e no glaucoma
congênito.

Segundo
a presidente da SBG, a adesão ao tratamento, que é contínuo e sem duração
pré-determinada, é importantíssima para o seu sucesso. “Por não perceberem
a evolução da doença, muitos pacientes tendem a negligenciar a administração
dos remédios”, completa. 

Estudos recentes sobre glaucoma

Recentemente, especialistas do Conselho Brasileiro de
Oftalmologia promoveram dois estudos sobre os impactos do glaucoma na condução
de veículos, a fim de verificar se o comprometimento visual provocado pela
enfermidade aumenta o risco de acidentes.

No
primeiro, foi avaliado o impacto do crowding (aglomeração) – fenômeno no qual
os objetos se misturam quando apresentados muito próximos, dificultando a
visualização – nos glaucomatosos. “O crowding estabelece um limite
fundamental para as capacidades da visão periférica e é essencial para explicar
o desempenho em uma ampla gama de tarefas diárias”, explica Nara, uma das
autoras do trabalho.

“E, devido aos efeitos
do glaucoma justamente na visão periférica, hipotetizamos que a perda neural na
doença levaria a implicações mais fortes do apinhamento visual, o que foi
confirmado”, acrescenta.

Ao final da experiência,
publicada na edição de fevereiro do jornal Investigative Ophthalmology & Visual
Science (IOVS), da The Association for Research in Vision and Ophthalmology
(Arvo), constatou-se que os que têm a enfermidade, mesmo em estágios iniciais,
apresentam dificuldade maior em discriminar os itens.

O outro estudo do Conselho
Brasileiro de Oftalmologia avaliou a habilidade de dividir a atenção ao dirigir
e falar ao celular, cena muito comum no dia a dia, apesar de proibida pelo
Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O intuito foi verificar a performance de
portadores de glaucoma nesta situação.

A conclusão foi de que o
tempo de reação a estímulos visuais periféricos é significativamente pior entre
os pacientes com glaucoma. Durante o uso do celular, foi de 1,86 segundos,
contra 1,14 segundos dos motoristas com olhos saudáveis.

De acordo com Nara, quem tem
a doença não está proibido de guiar um automóvel, porém, precisa ser alertado
de que os riscos de acidentes são maiores e, junto com o médico, decidir se é
melhorar parar ou continuar com essa atividade.

Este trabalho do Conselho
Brasileiro de Oftalmologia foi apresentado no último congresso da Sociedade
Americana de Glaucoma, em Nova York, nos Estados Unidos, e publicado este mês
na revista científica Jama, da American Medical Association (AMA).


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