Por que doenças do passado, como sarampo, voltam a assustar o Brasil?

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de julho de 2018 às 00:16
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:54
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Com vacinação abaixo da meta estipulada pelas autoridades, doenças tidas como controladas podem voltar

De nove vacinas prioritárias do calendário
infantil, nenhuma atingiu a meta de 95% de imunização no ano passado. A maior
parte delas ficou, em média, na casa dos 70%. O dado explica um fenômeno que
tem preocupado autoridades de saúde: a volta de doenças consideradas
controladas. Febre amarela, sarampo, difteria, tétano, coqueluche e o risco da
poliomielite mostram como o desleixo com a vacinação trouxe para o Brasil
enfermidades do passado, sinônimo de atraso.

No início do século 20, as doenças
imunopreveníveis, como poliomielite e varíola, eram endêmicas no país. Elas
causavam elevado número de casos e mortes. As ações de imunização e,
especialmente, os 44 anos de existência do Programa Nacional de Imunizações
(PNI), do Ministério da Saúde, foram responsáveis por mudar o perfil
epidemiológico das doenças imunopreveníveis. Essa é considerada uma importante
conquista da sociedade brasileira.

O presidente do Departamento Científico de
Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, alerta
que, em mínimos descuidos, as doenças retornam. “A lição é que o relaxamento
das ações de imunização não é bom e tem seu preço. O controle e a eliminação
das doenças se mantêm com a vacinação contínua. É um equívoco acreditar que as
doenças não estão infectando porque deixaram de existir. Sem vacinação, os riscos
de essas doenças do passado voltarem são constantes”, pondera.

O Brasil já vive problemas causados pelo abandono
das vacinas. O sarampo voltou a infectar dois anos depois de ser erradicado. A
circulação do vírus na Venezuela, aliada à baixa imunização no Brasil,
desencadeou surto no Norte do país, sobretudo no Amazonas e em Roraima. Ao
todo, seis unidades da Federação registraram casos. Quase mil pessoas adoeceram
este ano. Além disso, a mortalidade infantil teve a primeira alta em 26 anos.
Desde 1990, isso não acontecia.

O risco de contaminação subiu enquanto a parcela da
população imunizada caiu. As vacinas que protegem contra o mal tiveram queda. A
tríplice viral passou de 96% de cobertura da população em 2015, para 83,87% no
ano passado. A tetraviral saiu de 77,37% para 70,6% no mesmo período. O mesmo
aconteceu com a poliomielite. A cobertura caiu de 98,29% em 2015, para 84,43%
em 2016. No ano passado, mais um decréscimo: 77%.

Mas não para por aí. O Brasil registrou um
crescimento no número de casos de hepatite A em 2017, com 2.086 confirmados,
contra 1.206 em 2016, um aumento de 73%. Entre julho de 2017 e maio deste ano,
o Ministério da Saúde confirmou 1.266 registros de febre amarela no país e 415
mortes. Houve ainda 1.548 casos de coqueluche, surtos de caxumba — a doença não
é de notificação obrigatória, entre outros males.

A presidente da Sociedade Brasileira
de Imunizações, Isabella Ballalai, explica os riscos de se boicotar as vacinas.
“Não vacinar adolescente e adulto já é um risco. Deixar de proteger as crianças
é ainda maior. O perigo é ter de volta doenças que estavam controladas, como o
sarampo. O risco deixou de ser teórico e se tornou realidade. Essas doenças,
quando não matam, deixam sequelas graves. A pólio deixou um sem-número de famílias
que convivem com as sequelas da doença até hoje”, ressalta.

O Ministério da Saúde alerta que a vacinação é de
extrema importância para evitar doenças e suas sequelas (como surdez, cegueira,
paralisia, problemas neurológicos, entre outros) e, consequentemente, a morte,
proporcionando qualidade de vida para toda a população, além de evitar que
doenças se propaguem. “No Brasil, ainda há um desconhecimento individual sobre
a importância e os benefícios das vacinas. Em muitos casos, pais e responsáveis
não vêm mais algumas doenças como um risco, como é o exemplo da poliomielite.
Por isso, é necessário ressaltar a importância da imunização e desmistificar a
ideia de que a vacinação traz malefícios”, destaca o órgão, em nota.

Embora o Brasil esteja livre da paralisia infantil,
por exemplo, é fundamental a continuidade da vacinação para evitar a
reintrodução do vírus da poliomielite no país. De acordo com dados da
Organização Mundial da Saúde, três países ainda são considerados endêmicos
(Paquistão, Nigéria e Afeganistão). Com relação ao sarampo, tem-se registro de
casos em alguns países da Europa e das Américas, inclusive na Venezuela, que
faz fronteira com o Brasil. Atualmente, há registro de casos em Roraima,
Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Retrocessos

Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade
Brasileira de Infectologia, defende que governo e sociedade civil se unam para
combater o problema e evitar retrocessos. “Temos que ter um conjunto de ações
para recuperar a crença na vacina. Tudo depende da informação correta. A
primeira coisa a se falar é que as vacinas são eficazes e importantes na
prevenção de doenças graves”, conclui.

Pedro Luiz Tauil, especialista em medicina tropical
e controle de doenças da Universidade de Brasília (UnB), avalia a necessidade de
maior controle dos registros. “Temos que ver como os estados estão notificando
a vacinação. Isso é importante para sabermos se houve uma redução ou se a
notificação está ruim. Independentemente disso, a vacina é a principal medida
custo-benefício na prevenção de saúde. Isso revolucionou o mundo. Eliminamos
muitas doenças com as vacinas. A varíola não existe mais por conta da vacina”,
explica.

Eduardo Espíndola, especialista em doenças
infectocontagiosas, defende que essas enfermidades são difíceis de combater,
mas é possível fazer o controle. “Há muitos anos não vemos casos de pólio. O
sarampo estava erradicado. Já nos casos de coqueluche, percebemos vacâncias na
vacinação das mães e dos bebês. O mais importante é fazer o monitoramento para
ver a frequência. Manter um diagrama de controle contínuo e não abrir mão das
vacinas”, avalia
.


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