Lei de Proteção de Dados impactará empresas, pessoas e governo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 18 de agosto de 2018 às 21:15
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:57
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A norma traz regras sobre a coleta e o tratamento de informações por empresas e órgãos do poder público

A Lei Geral de Proteção de Dados
(13.709) foi sancionada nesta semana pelo presidente Michel Temer. A norma
traz regras sobre a coleta e o tratamento de informações de pessoas por
empresas e órgãos do poder público. A norma, que ainda terá um período de
transição de 18 meses antes de entrar em vigor, terá impactos nas
atividades cotidianas de usuários, empresas e órgãos da administração pública.

A lei trará consequências
especialmente no mundo online, uma vez que os usuários
têm registros e atividades coletados e tratados diariamente não somente
por plataformas (como Facebook ou Google) mas por uma série de outras empresas
sem que eles saibam. Mas também valerá no mundo offline, como no pedido
de CPF para compras em farmácias ou na hora de entrar em um prédio residencial
ou comercial.

Segundo a norma, dados pessoais são
informações que podem identificar alguém. Não se trata, portanto, apenas do
nome. Mas um endereço ou até mesmo empego podem ser considerados como
tal se permitirem identificar alguém quando cruzados com outros registros.

Dentro do conceito, foi criada uma
categoria chamada de “dado sensível”, informações sobre origem racial ou
étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, saúde ou vida sexual.
Registros como esses passam a ter nível maior de proteção, para
evitar formas de discriminação. Esse tipo de característica não poderá ser
considerado, por exemplo, para direcionamento de anúncios publicitários sem que
haja um consentimento específico e destacado do titular. Já registros médicos
não poderão ser comercializados.

Mas quem fica sujeito à lei? Todas as
atividades realizadas ou pessoas que estão no Brasil. A norma valerá para
coletas operadas em outro país desde que estejam relacionadas a bens ou
serviços ofertados a brasileiros. Se um site de cursos online,
por exemplo, comercializa aulas em português ou voltada a brasileiros, deverá
cumprir as exigências da norma.

Finalidade
específica e consentimento

Uma empresa não poderá coletar dados
para fazer o que quiser com eles, mas deverá informar a finalidade. Um site que
solicite dados de idade em um cadastro sem que isso tenha a ver com o serviço
prestado pode ser questionado. A coleta só poderá ocorrer em situações
específicas, sendo a principal delas mediante a obtenção de autorização do
titular (o chamado consentimento). A tendência, portanto, é que os usuários
passem a ser perguntados mais frequentemente se dão sua permissão. Neste
momento, será importante ler o motivo da coleta para identificar se os dados
solicitados têm relação com a finalidade da atividade.

Ao aceitar repassar seus dados, como
ao concordar com termos e condições de um aplicativo, as empresas passam
a ter o direito de tratar os dados (respeitada a finalidade específica),
desde que em conformidade com a lei. Entretanto, as empresas passarão
a ter uma série de obrigações, como a garantia da segurança dessas
informações e a notificação do titular em caso de um incidente de segurança.
Para citar um exemplo, quando o Facebook tomou conhecimento que os dados 87
milhões de pessoas (entre elas brasileiros) haviam sido entregues à empresa de marketing
digital Cambridge Analytica, ele não avisou aos usuários afetados.

“Antes, se uma empresa coletasse
dados pessoais de clientes, não aplicasse nenhum tipo de segurança sobre esses
os dados e depois sofresse algum ataque, dificilmente a empresa sofreria algum
tipo de punição. Agora, a empresa terá que comprovar que tem uma estrutura
de segurança preparada para assegurar a proteção dos dados e poderá receber
multas caso não cumpra as regras”, explica Jeferson Propheta,
diretor-geral da McAfee no Brasil, empresa que comercializa programas
antivírus.

A norma permite a reutilização dos
dados por empresas ou órgãos públicos, em caso de “legítimo interesse”
desses. Estabelece, no entanto, que esse reuso só pode ocorrer em uma situação
concreta, em serviços que beneficiem o titular e com dados “estritamente
necessários”, respeitando os direitos dele. Um desafio da lei será exatamente a
avaliação das situações específicas nas quais uma empresa alegue o “legítimo
interesse” e se o reuso respeita as exigências.

Direitos

De outro lado, o titular ganhou uma
série de direitos. Ele poderá, por exemplo, solicitar os dados que a empresa
tem sobre ele, a quem foram repassados (em situações como a de reutilização por
“legítimo interesse”) e para qual finalidade. Caso os registros estejam
incorretos, poderá cobrar a correção. Em determinados casos, o
titular terá o direito de se opor a um tratamento. A lei também
permitirá a revisão de decisões automatizadas tomadas com base no tratamento de
dados (como as notas de crédito ou perfis de consumo).

“O usuário de mídias sociais poderá
solicitar a qualquer momento o acesso aos dados pessoais mantidos pelas plataformas.
Além disso, terá o direito de solicitar a uma empresa que elaborou o seu score financeiro
o acesso aos dados pessoais que justificaram a determinação do seu perfil
(ainda que automatizada), inclusive para solicitar a correção de qualquer dado
incorreto ou inexato”, exemplifica a advogada especializada em direito
digital Vanessa Lerner.

O titular terá ainda direito à
portabilidade de suas informações, assim como ocorre com número de telefone. A
autoridade regulatória, se criada, deve definir no futuro como isso será feito.
Mas a possibilidade de levar os dados consigo é importante para que uma pessoa
possa trocar de aplicativo sem perder seus contatos, fotos ou publicações.

Crianças de até 12 anos ganharam
garantias específicas na lei. A coleta fica sujeita a uma série de restrições,
deve ser informada de maneira acessível para esse público e será condicionada à
autorização de pelo menos um dos pais.

Negócios

Ao estabelecer garantias e
responsabilidades para as empresas, a lei vai ter impacto importante
nos negócios realizados no Brasil e com parceiras estrangeiras. A primeira
mudança é que, com sua aprovação, o país passa a atender a exigências de outros
países e regiões, como a União Europeia. Sem isso, as empresas nativas
poderiam ter dificuldades para fechar negócios.

Na avaliação do gerente executivo de
Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio
Gonçalves, as empresas terão que adotar uma série de medidas para se
adequar à nova legislação quando entrar em vigor. Para além da garantia da
segurança dos dados, terão que eleger um “encarregado de proteção de
dados”, que terá a função de receber reclamações, comunicações, orientar
funcionários da empresa, entre outras atribuições.

A maior preocupação dele será com as
pequenas e médias empresas. Em alguns casos, a adequação à lei 
poderá exigir revisão de processos. “De modo geral, as empresas que atuam no
mercado internacional ou que realizam transferências internacionais de dados
estão mais preparadas para lidar com a nova lei, pois já vinham se adaptando
aos regulamentos de outros países, como os da União Europeia. O maior
desafio será para as empresas menores e aquelas mais restritas ao mercado
local”, alerta.

Autoridade
regulatória

A normatização e fiscalização ficariam
a cargo do que o texto aprovado no Senado chamou de Autoridade Nacional de
Proteção de Dados. Contudo, os artigos que tratavam da criação da agência foram
vetados pelo presidente Michel Temer, com a justificativa de que o Congresso
não poderia aprovar um novo órgão. O governo informou que deve enviar um
projeto de lei ao Congresso prevendo a implantação da autoridade.

Para o pesquisador da Rede
Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits)
Bruno Bioni, a existência da autoridade é fundamental para que ela possa
aplicar os princípios previstos na lei aos casos concretos. “A lei não faz
menção a uma tecnologia em específico. Por isso, será necessária a figura da
autoridade para traduzir esses direitos de acordo com desafios que novas
tecnologias vão colocar. Se falamos hoje em Big Data [coleta massiva
de dados] e inteligência artificial, daqui a pouco falaremos de computação
quântica”, argumenta.

Para João Emílio Gonçalves, da CNI, a
autoridade é importante desde já, e não apenas quando a lei entrar em vigor. “A
criação da autoridade é fundamental. Sua função vai muito além da fiscalização
e repressão. Na verdade, a agência será importante desde já, pois contribuirá
para orientar as empresas e os cidadãos sobre obrigações e direitos previstos
no novo regulamento”, destaca.


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