Jejum a longo prazo pode comprometer produção de insulina, diz estudo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 21 de maio de 2018 às 21:49
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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A prática de alternar períodos de ingestão de alimentos com abstinência pode danificar o pâncreas

Nenhum outro protocolo de perda de peso tem feito tanto sucesso
quanto o jejum intermitente. No ano passado, foi o segundo termo mais buscado
no Google brasileiro, na categoria “como fazer”.

Tendo como base a utilização das reservas de gordura do organismo
para a produção de energia, esse regime propõe alternar períodos de ingestão de
alimentos com abstinência, variando o número de horas que se fica sem comer.
Além do emagrecimento, estudos mostram que os pacientes apresentam melhora nas
taxas de colesterol e em marcadores inflamatórios, entre outros.

Mas, apesar de ser uma prática milenar — principalmente com fins
religiosos —, as pesquisas sobre o jejum como ferramenta de perda de peso são
relativamente recentes, e os efeitos no organismo em longo prazo largamente
desconhecidos.

Um estudo brasileiro apresentado nesta segunda-feira, 21 de maio,
no congresso da Sociedade Europeia de Endocrinologia, em Barcelona, alerta que
a prática pode elevar o risco de desenvolvimento de diabetes. O trabalho,
conduzido por Ana Claudia Munhoz Bonassa e Angelo Rafael Carpinelli, do
Departamento de Fisiologia e Biofísica da Universidade de São Paulo (USP), foi
feito com modelo animal.

No estudo, os pesquisadores investigaram os efeitos do jejum
intermitente em ratos saudáveis e não obesos, alimentados dia sim, dia não.
Três meses depois, embora tenham perdido peso e reduzido voluntariamente a
ingestão alimentar, os animais apresentaram sinais de danos no pâncreas e no
funcionamento da insulina, hormônio secretado por esse órgão, e diretamente
associado a diabetes 1 e 2. Quando o organismo não produz ou fabrica uma
quantidade insuficiente da substância, a pessoa é diagnosticada com a doença
crônica.

Radicais livres

Ana Claudia Munhoz Bonassa conta que começou a desconfiar do
efeito negativo do jejum sobre a regulação da insulina quando fazia mestrado e
estudou a produção de radicais livres no pâncreas de ratas submetidas ao jejum
agudo único (48 horas sem alimento, apenas uma vez). “Os radicais livres são
moléculas instáveis que podem se ligar a outras moléculas, prejudicando o
funcionamento delas. Observamos um aumento desses radicais livres após o jejum
agudo”, relata a pesquisadora. “Nessa época, o jejum intermitente estava sendo
amplamente divulgado. Então, nos questionamos se isso ocorreria também após o
jejum intermitente de forma crônica. Os outros efeitos negativos encontrados
foram, de fato, uma surpresa para nossa equipe”, revela.

No estudo atual, o peso dos animais diminuiu, mas houve aumento de
gordura no abdômen. Além disso, quando os pesquisadores fizeram a necrópsia dos
ratos, no fim da pesquisa, observaram que as células beta do pâncreas,
responsáveis por liberar insulina para o organismo, estavam danificadas, com
aumento nos níveis de radicais livres. O exame também detectou marcadores de
resistência à insulina, condição que pode levar ao desenvolvimento do diabetes.
O motivo de o jejum intermitente provocar essas alterações está sendo
investigado agora pela equipe.

A bióloga reconhece que o tema é polêmico, com muitos
especialistas e praticantes favoráveis ao jejum. Porém, ela acredita que os
efeitos positivos, como normalização das taxas metabólicas, estão relacionados
à perda de peso em si, um resultado que pode ser obtido por outros meios,
alega. “Sabemos que perder peso quando se está obeso ou com sobrepeso melhora a
saúde, principalmente a resposta da insulina e a tolerância à glicose. Foi por
esse motivo que escolhemos trabalhar com animais jovens, saudáveis e magros, em
vez de testar a dieta em um modelo animal diabético ou obeso. Queríamos avaliar
possíveis efeitos só do jejum intermitente”, diz. De acordo com a pesquisadora,
até agora, os trabalhos científicos sobre esse protocolo de emagrecimento
apresentam dados conflitantes, mas com um consenso: “O de que o jejum
intermitente leva à perda de peso porque a dieta fica hipocalórica, ou seja, o
indivíduo come menos”, diz.

Energia

Para a servidora Nanci Moreno Paro, 39 anos, o jejum intermitente
ganha de outras dietas. Embora esteja longe de apresentar sobrepeso, ela voltou
recentemente a esse regime que adotou sem interrupções por 18 meses. Praticante
de muay thay, Nanci sente-se com mais energia e força quando fica longos
períodos sem comer — geralmente, das 21h às 14h. “O jejum me cativou: meu
rendimento, meu raciocínio e minha disposição melhoraram mil vezes. As taxas de
colesterol e triglicérides também baixaram”, conta.

A autônoma Camila Brandão Borralho de Lucena, 34 anos, também é fã
dessa dieta. No fim de 2016, ela perdeu sete quilos com jejum e aeróbica. Como
reganhou seis quilos, acabou de voltar à prática e já eliminou dois. “Faço
crossfit e, com o jejum de 16 horas, me sinto até mais forte”, relata. Camila
também cortou o carboidrato das refeições, mas não acha que a redução da
ingestão de alimentos seja responsável pelo emagrecimento. “Eu estava muito
resistente à perda de peso. Estacionei e, só com o jejum, voltei a emagrecer”,
garante.

Para a Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade
da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), é preciso ter
cautela com dietas restritivas. “O consenso da Sbem para perda de peso é mudar
para uma alimentação equilibrada, a famosa reeducação alimentar. O que define a
perda de peso em uma dieta é a quantidade de calorias ingeridas”, afirma.
Contudo, ela admite que, para pessoas com obesidade ou sobrepeso, isso pode ser
muito difícil, principalmente porque, no geral, são indivíduos com problemas na
regulação do apetite.

A médica explica que esse protocolo pode ser válido para algumas
pessoas, mas não para a população como um todo. “Quando se faz jejum, há queima
de carboidrato e modulação dos ácidos graxos, com perda de peso e diminuição da
fome. Isso pode ajudar, mas algumas pessoas não vão se encaixar e, no caso das
com obesidade, não sabemos quanto tempo precisariam fazer jejum para regular a
saciedade no sistema nervoso central”, diz. Uma preocupação de Maria Edna de
Melo é que, assim como o estudo da USP demonstrou, essa restrição em longo
prazo possa alterar negativamente o organismo.


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