Influencers brasileiros estão entre os que mais compram likes nas redes no mundo

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  • Publicado em 6 de janeiro de 2020 às 14:54
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:13
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Pelo menos 44% dos influenciadores digitais usam métodos não-autênticos para bombar seus números

Com apenas R$ 29, qualquer pessoa pode comprar 1.000 plays no Spotify ou no Deezer, 1.000 visualizações para vídeos no YouTube, um pacote de 100 seguidores no Instagram e 1.000 curtidas no Facebook.

Na internet, há centenas de sites que vendem de tudo para fazer qualquer perfil em mídia social bombar: curtidas, seguidores, plays e até comentários. A negociação, geralmente, é feita por WhatsApp: os preços começam a partir de acessíveis R$ 14,90, mas, acredite, podem ultrapassar R$ 17.700.

Esse é o valor que o site Shop Music Marketing cobra para vender 600 mil plays no Spotify, seja para uma música ou para um podcast. No aplicativo, o número de likes não aparece para o usuário. Mas faz a música ou podcast subir na lista dos mais populares.

Mas o Shop Music Marketing não está sozinho nesse segmento. Existem milhares de outros sites, como Populei, Volume Social, SM Curtidas, Social Star, Impulsione me, Insta Seguidor, Insta Líder, Seguidores Brasil, linktr.ee, Insta Mania, Seguidorescomprar.com.br e por aí vai. Quando um site sai do ar, surge outro.

Nenhum dos sites citados quis dar entrevista ao 6 Minutos. Mas vários responderam quando a reportagem se fez passar por alguém interessado em comprar engajamento nas redes sociais.

O país dos influencers?

O surpreendente é que o Brasil está entre os países que mais usam esses artifícios falsos para dar a impressão de que um influenciador, um perfil ou um post qualquer está bombando nas redes.

Aqui, 44% dos perfis usam métodos não-autênticos de crescimento no Instagram, segundo a Hypeauditor, empresa com sede em Indianápolis, nos EUA, que trabalha com inteligência artificial para analisar milhares de perfis no Instagram e no YouTube semanalmente.

“Uma das maneiras de medir se uma conta tem ou não seguidores e curtidas falsas é o engajamento, ou seja, os comentários e o compartilhamento dos seguidores”, diz Rafaela Lotto, vice-presidente de planejamento da Content House, agência especializada em marketing digital. “E os ‘influencers’ brasileiros são aqueles com o menor engajamento no mundo”, acrescenta.

O Brasil tem o público mais inativo, segundo a pesquisa, em comparação com outros países com mercados grandes, como Estados Unidos, Reino Unido, Índia, França, Alemanha, Rússia, Itália, Espanha e Japão.

Entre os influenciadores com mais de 1 milhão de seguidores, a taxa de engajamento média é de apenas 0,94%: ou seja, menos de 1% comenta ou compartilha o conteúdo. Para as contas com seguidores entre 100 mil e 1 milhão, o índice é de 1,01%. A maior taxa fica entre os nanoinfluenciadores, com no mínimo 1.000e no máximo 5.000 seguidores. Mesmo assim, é irrisória: 2,90%.

Como funcionam os likes falsos?

Uma das formas são os robôs, que criam contas falsas e que saem curtindo posts e seguindo perfis. Geralmente, são contas alocadas na China ou em outros países.

Mas muitas empresas prometem curtidas de páginas nacionais ou o que chamam de likes reais. “Isso funciona assim: imagine que eu tenho uma conta para meu cachorro no Instagram. Quando contrato uma empresa de likes, passo a administração do perfil do meu cachorro para ela. Aí, o sistema dela vai atrás de outras contas parecidas com a do meu cachorro, caçando hashtags publicadas, como #adorocaes, #doglovers, #luludapomerania”, explica Rafaela Lotto.

“O sistema, usando o perfil do meu cachorro, curte as postagens dessas outras pessoas e faz comentários aleatórios, como ‘linda foto’ ou ‘muito legal’. Assim, a pessoa, dona dessa outra conta, fica curiosa e vai ver quem comentou e acaba se tornando uma seguidora”, diz ela.

O problema é que esses seguidores apenas dão um like e não se engajam realmente se o conteúdo não for atraente. “É por isso que o número de likes é uma métrica cada dia mais em desuso”, diz Rafaela.

Contudo o canto da sereia para os influenciadores (ou aspirantes a influencers) que compram likes é o número de seguidores (ou de plays, visualizações). Para muita gente, os olhinhos ainda brilham diante do número de likes de uma conta. “Elas pensam: se tem tanta gente seguindo, também vou seguir. É o chamado FOMO – ‘Fear of Miising Out’, ou medo de ficar por fora”, diz Weverton Guedes, diretor de data e performance da agência de publicidade REF+.

“Inúmeras marcas ainda escolhem seus influenciadores pela quantidade de seguidores e isso não significa realmente nada”, alerta o publicitário. “É o que no mercado se convencionou chamar de vanity metric, ou métrica da vaidade: é bonito de ver, mas não funciona, não atinge realmente o consumidor porque a maioria dos perfis é falsa ou não está nem aí para o influenciador. São pessoas que clicaram por clicar”, afirma.

Marcas mais atentas

Por isso, muitas marcas já estão de orelha em pé. Para não investir seu dinheiro em influenciadores que, na verdade, não influenciam ninguém, grandes patrocinadores estão cruzando outros dados para saber se vale ou não a pena associar sua marca com determinados perfis. O engajamento real (comentários relevantes, por exemplo) é o que conta nessa hora.

As empresas de mídias sociais também estão preocupadas. Algumas, como o Instagram, pararam de dar ênfase ao volume de curtidas de uma postagem. Mas outras, como o YouTube, que não quis comentar o assunto, ainda valoriza muito o número de inscritos e as visualizações, duas métricas muito comercializadas atualmente.

O que as redes sociais dizem

Em nota, o Facebook, que também é dono do Instagram, disse que “curtidas falsas são ruins para as pessoas, as marcas e para o Facebook”. “Uma interação falsa com uma página significa menos interações reais com o conteúdo, e isso pode afetar o alcance delas. Por isso, tomamos medidas contra ações fraudulentas no Facebook.”

O Spotify declarou, também em nota, que leva “a manipulação artificial da atividade de streaming em seu serviço extremamente a sério”. “O Spotify tem várias maneiras de detectar esses casos, monitorando o consumo no serviço para encontrar, investigar e lidar com essa atividade. Continuamos a investir fortemente no aprimoramento desses processos, no aprimoramento dos métodos de detecção e remoção e na redução do impacto dessa atividade inaceitável para criadores legítimos, detentores de direitos e nossos usuários.”

O Deezer preferiu não se pronunciar. Mas uma fonte ligada à empresa, que pediu anonimato, afirmou que o serviço de streaming leva em conta apenas plays reais, usando ferramentas de inteligência artificial para identificar as fraudes – e  principalmente para fazer o pagamento justo de direitos autorais aos artistas.

O Twitter não quis comentar o tema.

*6Minutos


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