GIOVANNI ARONNE: o ANJO DOS PIANOS

  • Fofocas Musicais
  • Publicado em 13 de novembro de 2018 às 10:37
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:23
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Um homem que viveu para dignificar os humanos… Como ele gostava de pessoas… de boas conversas, bom vinho, boa comida e celebrava a vida!

Hoje sinto a necessidade de perpetuar algumas palavras sobre este profissional exemplar que passou por nós e deixou tão forte sua marca que vive ecoando nos filhos, na empresa que construiu, nas palavras que dizia, no jeito forte de imprimir sua presença com tanta doçura , generosidade e competência!!!

Giovanni… Como posso esquecer aquelas mãos afinando o meu Fritz Dobbert na sala da casa de meus pais, e como bom contador de histórias não poderia ficar sem fazer soar lembranças de sua Itália querida, histórias sobre os pianos que tinha em sua oficina, pianistas que ele conhecia, grandes talentos e pessoas simples. Lembro-me que ele dizia que existem grandes pessoas em todos os lugares que ele visita, algumas famosas e conhecidas, outras se tornam inesquecíveis.Algumas colocações dele ficaram ecoando para todo o sempre.

Vou contar em detalhes o caso do meu piano que embolorou. Era Outubro de 2006, minha mãe faleceu. Meu piano Fritz Dobbert estava num cômodo nos fundos da casa onde preparei para dar aulas, fiz uma biblioteca e uma sala infantil com jogos. E quando minha mãe adoeceu fechei tudo, a diretora da escola onde eu dava aulas de Arte permitiu que eu desse quantas faltas precisasse e foram 21 dias ficando com ela no hospital revezando mas com o pensamento todo o tempo la. Recebi um aviso do Alto que ela iria embora e eu precisava prepara-la. Isso aumentou minha responsabilidade espiritual. Então, a salinha do piano foi fechada. Como era nos fundos da casa, tem um aterro pois minha casa é a última de uma ladeira, a umidade era grande.

A salinha ficou fechada em Outubro, Novembro, Dezembro, Janeiro… fiquei por conta de ajudar na limpeza da casa da minha mãe, separar coisas para doação, desocupar a casa, enfim, providências normais. Aulas no Estado, final de ano, fechar notas, cadernetas, etc. Parei com as aulas de piano naquele final de ano. Os alunos compreenderam.

Em Fevereiro liguei para o Giovanni em São Paulo contando que eu havia aberto a salinha e o piano estava verde. Bolor por fora formando uma camada de lodo, bolor por dentro deixando a marteleira verde, batia nas teclas e parecia um tambor sem som, totalmente abafado, não soava mais. O piano também morreu.

Fiquei desesperada.

Liguei para o meu amigo e melhor afinador da América do Sul – eleito por um Jornal famoso de época – e implorei sua presença para salvar meu piano.

Não tinha dinheiro para comprar outro piano. O inventário iria demorar ( como demorou 3 anos) e então este homem maravilhoso, um mensageiro divino veio a Franca para me atender, amenizar meu sofrimento e salvar meu pianinho , meu instrumento de trabalho. Era Fevereiro e eu precisava voltar às aulas.

Pacientemente ele orientou alguém ( que agora não me lembro quem) a transportar o piano para a minha sala e ali ele trabalhou por 9 horas neste piano, fazendo uma limpeza geral, uma faxina mesmo na marteleira. Desmontou e trocou todos os feltros de rodinha e todos que estavam mofados, um artesão, um mestre um verdadeiro médico cuidando de seu paciente terminal. E o salvou.

Como ele percebeu que eu estava muito triste pela perda recente de minha mãe, pelo estado do piano, por estar me sentindo perdida… ele me tranquilizava contando histórias e me mostrando todas as partes do piano, tirou as teclas e me mostrou por baixo delas e ia me dizendo o que estava fazendo e que iria ficar tudo bem. O que eu mais adorava ouvir era ele ensinar sobre afinação, tocava a tecla e me dizia : “ ouça! O som faz uma curva, temos que esperar que ele faça esta onda para saber se está bem afinado” e pacientemente ia me contando os segredos de seu trabalho, o qual sou fascinada até hoje. Tanta é minha fascinação que me matriculei no curso para afinadores de piano de Buenos Aires, para entender um pouco mais sobre este instrumento que salvou minha existência!

Giovanni! Como eu gostaria que você ainda estivesse por aqui… para ouvir suas histórias, para beber de seus ensinamentos, para me sentir mais gente…

Mas, caro amigo Giovanni, esta semana Armando esteve aqui e ele lida com o piano como você, ele tira som das teclas como você, ele afina como você, se interessa pelo cliente como você, conta histórias também, e eu fico em roda como ficava quando você vinha… absorvendo as bênçãos. E quando ele foi embora eu senti que você foi embora também . E chorei.

Armando cuida dos pianos como um médico cuida dos pacientes, como você cuidava, e xa ta men te como você fazia: não tem diferença entre o pobre e o rico, entre o piano da sala de concertos que custa milhões e o pianinho do quartinho dos fundos. Ele cuida dos pianos sem distinção, com amor, com cuidado e dá vida a eles novamente, vida plena e as pessoas ficam felizes e quem traz felicidade para as casas é um abençoado.

Antes de terminar quero recordar aquela vez em 2001 ou 2002 que fui a São Paulo participar do Congresso Internacional de Educação Musical na Itaú Cultural e você foi me buscar na esquina da Itaú Cultural e me levou na oficina . UAU !!! AQUELA OFICINA… MEU DEUS ! Experimentei um Steinway de cauda inteira logo na sala de entrada reservada aos pianos prontos para venda, vi uma pianola funcionando e quase chorei e entramos na área dos pianos em espera para serem reformados ou vendidos. Hummm foi como entrar no mundo dos sonhos. E cada piano tinha uma história, mas não dava para contar todas. Então, entre poeira que hoje sei que protegem a madeira e pianos sendo lustrados, você arrastava um piano de armário e me mostrava por dentro, a marca, a história, o som. E então fomos andando até la nos fundos onde tinha um piano de causa sendo reformado, todinho marchetado com rosas em tons claros e escuros na madeira … nunca vi uma coisa tão linda … E exclamei: – Giovanni… que piano mais lindo!!! Foi quando ouvi as palavras que jamais esqueci: “- este piano só tem beleza por fora, é piano de enfeite , piano pra surdo”. Fiquei olhando pra ele sem entender e ele disse que era piano para gente que não sabia ouvir um belo som e queria só a beleza externa e me contou que existem clientes assim, que procuram um móvel de enfeite…Me chamou para mostrar um piano com som bonito e me pediu pra tocar nele. Toquei. Isso era 2002 …Mal sabia eu que em 2009 você partiria para a casa do Pai.

Antes de sua partida tive a felicidade de comprar um Essex vertical vendido por você! Mas o piano de cauda foi só em 2010 quando chegou o dinheiro do inventário. Mas tenho certeza que você esteve presente!

Deixo-te minha homenagem caro Giovanni, agradecendo pelos filhos que você deixou, formou, amou e ainda ama, e que seguiram teus passos, cada um no seu talento especial mas todos em volta deste “ser vivo” chamado PIANO.

A presto amico!

Em breve estarei na sua amada Itália… tenho uma aluna de piano em Firenze, para quem dou aulas online. E em 2019 ela terá um bebê, espero poder visita-la e conhecer a bambina Miriam!

Ciao! Amico! 

Esta coluna é semanal e atualizada aos domingos.​


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