Franca tem mais de três mil animais abandonados pelas ruas e pode piorar

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 11:36
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:06
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Revista Enfoque publica reportagem mostrando o crescimento dos casos
de animais abandonados na cidade

​Encontrar um cão ou um gato abandonado pelas ruas já se tornou uma cena recorrente. 

Estima-se que a cidade possua 2.750 animais abandonados – eles representam 5% daqueles que têm dono, segundo técnica criada pelo Instituto Pasteur em 2002. 

E como o último levantamento do número de cães e gatos do município foi realizado em 2006, verificou-se que Franca possuía 47.797 cães e 4.761 gatos – naquele ano foram visitados 125.595 imóveis. 

“Estes números indicaram que 38% dos domicílios possuem, pelo menos, um cão e em 4% pelo menos um gato. Hoje, a estimativa é que Franca possua 50 mil cães e cinco mil gatos domiciliados”, diz o médico veterinário da Vigilância Ambiental, José Conrado Netto.

O fato é que, à medida que aumenta o número de animais nas residências, consequentemente sobe o índice daqueles que vivem pelas ruas, à mercê do tempo e dos maus tratos.

“Falta conscientização, a parte educacional, tratar os casos com respeito, pois vivenciamos casos de abandono por parte dos tutores destes animais por problemas que haveriam solução”, diz a produtora de eventos Tatiane Morais Cruvinel.

Entre estas situações, ela cita mudança de casa e a decisão de não levar o animal; adoecimento do animal e a falta de interesse em cuidar dele; quando ele se reproduz por não ser castrado e o consequente descarte dos filhotes nas ruas.

“Muitas vezes conseguimos reverter alguns casos, somente conversando e explicando as soluções para as pessoas. Já por parte do poder público, faltam investimentos em mais ações para a mudança deste quadro”, opina Tatiane, que ao lado de Tânia Morais, Valdete Morais, Douglas Cruvinel e Silvio Romualdo, integra o grupo Vida de Cão, que existe há dois anos e meio, resgatando os animais e encaminhando-os para adoção.

“Inicialmente nossa proposta era fazer mutirões de castração e conscientização sobre adoções responsáveis, mas percebemos a demanda de animais nas ruas e o resgate dos mesmos foi inevitável”, explica Tatiane, que assim como os demais, mesmo antes da criação do grupo, já atuava como protetora independente.

O médico veterinário José Conrado Netto diz que a Vigilância Ambiental realiza ações ao longo do ano

Problema grave

A superpopulação é uma questão social, que pode ser explicada pelo número insuficiente de pessoas que adotam os animais abandonados e pela reprodução exponencial dos mesmos. 

No entanto, esses não são os únicos motivos. Por isso, uma das soluções para amenizar este problema seria a castração de cães e gatos, evitando que estes animais continuem a se reproduzir e, gerando, consequentemente, mais abandono.

Porém, apenas castrar não basta. É preciso educar a comunidade para a guarda responsável e para a necessidade de evitar que seus animais cruzem indiscriminadamente, pois os resultados das famosas “cruzas de fundo de quintal” são desastrosos. 

A cada ano nascem milhares de cães e gatos provenientes destes cruzamentos. Muitos são abandonados à própria sorte nas ruas ainda filhotes ou morrem antes de conseguir um lar.

Segundo o médico veterinário da Vigilância Ambiental, com a Lei Estadual 12.916, de 2008, que dispõe sobre o controle da reprodução de cães e gatos e proíbe os procedimentos de eutanásia, o serviço de captura e recolhimento de cães e gatos ficou inviabilizado. 

Atualmente, só são recolhidos ao canil municipal animais envolvidos em agressão ou vitimados por agravos incuráveis e animais de grande porte soltos em via pública.

“Os cães e gatos abandonados são capturados e recebem o primeiro atendimento pelo veterinário do canil municipal. Se ele entender ser um caso grave e necessitar de atendimento especial, o animal é encaminhado ao Hospital Veterinário da Unifran”, explica José Conrado.

No entanto, só isso não tem sido suficiente. Então, como medida de controle, Franca criou o Programa de Esterilização de Cães e Gatos que já castrou, gratuitamente, mais de 15 mil animais. 

Atualmente, o município oferece, gratuitamente, 225 cirurgias ao mês. “É medida que vai causar impacto a médio e longo prazo e tem o objetivo de controlar a população de cães e gatos”, defende José Conrado, acrescentando ser notório o compromisso da Administração com ações e programas específicos, desenvolvido pelos órgãos técnicos que cuidam do agravo.

Apaixonada por animais, Maysa aprendeu com os pais a importância de protegê-los e defendê-los

A doação a quem precisa

Tendo como exemplo seus pais, que a ensinaram a respeitar, amar e defender os animais, a advogada e membro do Conselho Municipal de Proteção Animal, Maysa Cristina Barini Kaluf, 35 anos, decidiu se engajar na causa animal quando percebeu que podia fazer mais por eles, utilizando sua profissão de advogada, as redes sociais, além de arregaçar as mangas e ir a campo fazer resgates, cuidar, tratar e encaminhar para adoção.

“Isso tudo aconteceu há cinco anos”, conta Maysa, que possui 11 cães, além dos que estão sob sua responsabilidade em lares temporários para tratamento e encaminhamento à adoção.

“A mais velha é a Amarela, uma cadela resgatada, que acreditamos ter entre oito e 10 anos, mas não é ela quem está comigo há mais tempo. O mais antigo em casa é o Luan, um dusch de cinco anos, e o mais novo na família é o Zé, um SRD que foi abandonado na porta da minha chácara”, comenta.

Segundo Maysa, o principal motivo para o grande número de animais abandonados é a falta de conscientização. 

Por isso, acredita que a partir do momento que as pessoas passarem a compreender que o animal tem sentimentos de alegria, tristeza e o quanto sofrem com o abandono, isso vai deixar de acontecer. 

“O ser humano precisa entender que eles não são brinquedo ou objeto de decoração; eles necessitam atenção e paciência como qualquer criança ou idoso”, pondera.

Ela diz que as coisas estão caminhando no meio jurídico: tramita no Senado um projeto de lei de emenda aos artigos 82 e 83 do Código Civil de 2002, com a finalidade de que os animais não sejam tratados como bens coisificados.

“Alguns países europeus como a Suíça, Alemanha e a Áustria já fizeram essa alteração. No nosso país já existem  julgamentos determinando guarda compartilhada de animais de estimação, o que é incrível, pois há o reconhecimento da importância desses seres na vida das pessoas”, salienta Maysa, que completa: “para muitos, são como filhos. Os meus são assim, são meus filhinhos. Mas infelizmente ainda tem muito a fazer. As pessoas precisam abrandar o coração e terem acesso a mais informações, é o que eu penso”.

Deja já chegou a ter 28 cães e hoje está com 11 cachorros para adoção além dos três da casa

Doando amor

Assim como Maysa, a autônoma Deja Portela, 41 anos, aprendeu desde criança a cuidar dos animais. 

Protetora voluntária independente, ela foi a primeira pessoa a criar um grupo de ajuda de animais pela internet, mas não deu continuidade.

“Comecei a cuidar assim que surgiu a lei contra a exterminação de cães e gatos no estado de São Paulo. Vimos a quantidade de animais sofrendo nas ruas, porém, isso antes era camuflado, justamente por causa da eutanásia”, conta.

Hoje, Deja está com 11 cães para adoção, além de seus três cães, todos retirados da rua. 

O mais velho, um poodle, tem 13 anos, e o último chegou há um ano, embora não saiba sua idade.

“Já tive comigo 28 cães de uma vez”, diz ela, que hoje não resgata mais por não ter uma renda fixa para mantê-los, pelas ajudas serem incertas, por problemas com a vizinhança e por conta de sua saúde não ser mais a mesma. Mas ainda procuro ajudar, pedindo pela internet, fazendo brechós, bingo, vendas, enfim, tudo para ser revertido aos cuidados deles”, comenta a protetora, que também procura ajudar outra pessoa a fazer o mesmo.

Deja acredita já ter retirado cerca de 100 animais das ruas. “É algo que não tem explicação. É muito bom vê-los bem, sentir que eles sabem que fizemos algo por eles, que os salvaram. Dói muito na hora da despedida, mas isso faz parte do trabalho”, diz.

Os voluntários que integram o grupo Vida de Cão, que existe há dois anos e meio em Franca

Os grupos em Franca

Assim como os protetores individuais dos animais, Franca conta com alguns grupos de voluntários que desenvolvem importante trabalho. 

Um deles é o grupo Vida de Cão, que atua de diferentes formas, desde realizando campanhas de conscientização sobre castrações, trabalhando com resgate e adoções.

“É feita uma consulta veterinária, se precisar tomar algum medicamento ou de algum cuidado especial até mesmo a vacinação, será feito antes da adoção”, esclarece Tatiane, acrescentando que o mais importante é que todos os animais que o grupo Vida de Cão manda para a adoção têm a castração assumida pelo grupo. 

“Os adotantes têm certeza que serão acompanhados até a castração, pois sem isso não se garante a posse responsável, no qual prezamos muito, não há lares para todos e não havendo a castração, poderá haver mais crias e mais animais abandonados”, destaca.

Realizando um trabalho voluntário, o Vida de Cão se mantém com doações em dinheiro, medicamentos e rações, mas na maioria das vezes  os voluntários fazem ações, como vendas de artesanatos, rifas e bazares.

“Temos bons resultados, pois fazemos a cada dois meses a prestação de contas do arrecadado e para quais animais foram destinadas as verbas, é tudo aberto para as pessoas verificarem e, assim, ajudam mais e mais. Ficamos felizes e os animais que precisam, agradecem”, comenta Tatiane. Ela acredita que o grupo já tenha ajudado 500 animais.

O poder público

Além das castrações e orientações, a equipe da Vigilância Ambiental realiza ações ao longo do ano, como o Programa de Adoção de Cães e Gatos do Canil Municipal; Campanhas Gratuitas de Vacinação contra a Raiva em cães e gatos; monitoramento de cavernas de morcego hematófago, acompanhamento de pessoas agredidas por animais e o Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral Americana (LVA).

Apesar disso, Maysa acredita que Poder Público deveria investir em campanhas de adoção e políticas de conscientização nas escolas, nos bairros, na imprensa, enfim, levar informações  às pessoas com relação à saúde e bem-estar do animal, dos sentimentos que eles possuem e aplicar com rigor as penalidades que já são previstas em leis para servir como exemplo e coibir os maus tratos.

“Isso para começar, pois precisamos também da destinação de maiores verbas para castrações, vacinações e atendimento veterinário gratuito para pelo menos a população de baixa renda, pois não raras vezes uma pessoa que ama seu animalzinho deixa de dar um tratamento adequado por falta de condições financeiras”, salienta. 

Esse é seu sonho, mas como dá para perceber ainda falta muito, e ela vai fazendo a sua parte como pode.

“Uma população consciente não tem desculpa para dar, se é que existe uma”, diz. José Conrado diz que isso já vem sendo feito.

Inclusive, um grande diferencial das ações até aqui desenvolvidas foi a implementação da cartilha o “Amigo dos Animais”, repleta de dicas e atividades para crianças e adolescentes cuidarem melhor de seu animalzinho. 

Este projeto prevê um trabalho de educação continuada em unidades educacionais das redes municipal, estadual e privada, centros comunitário, unidades religiosas, com o apoio do Conselho Municipal de Proteção dos Animais.

Além disso, foi elaborado e aprovado o Código Municipal de Proteção Animal, Lei Complementar nº 229 de 25 de novembro de 2013. 

Dentro de várias ações do Código, foi criada a Sala de Proteção Animal, que prima pela conscientização da população acerca das políticas públicas em relação aos animais, com a orientação em prol da causa animal, prestando esclarecimentos sobre posse responsável de animais, adoção, identificação, castração, vermifugação, vacinação, crimes de maus tratos, além dos direitos animais. 

“A Sala recebe queixas, críticas, sugestões, denúncias sobre maus tratos, presta informações, tanto pelo telefone 3711-9448, quanto pessoalmente”, destaca o secretário municipal de Saúde, que completa: “todos os programas e projetos são divulgados em meios de comunicação e estão permanentes no site oficial da Prefeitura, com todas as informações que a população necessita”, reforça.

Para Tatiane, é preciso mais. “O Poder Público precisa criar e sancionar leis mais firmes, criar incentivos para as pessoas continuarem com seus animais, e procurar parcerias com ONG’s e empresas, fazer trabalhos em conjunto para colher bons resultados”.


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