Exemplos de municípios que se reergueram após a saída de suas fábricas de calçados

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de setembro de 2018 às 08:04
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:02
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Demissão em massa de empresas calçadistas impõe aos municípios desafios de superação

Caio Cigana

A produção diminuía. Os rumores cresciam. Até que, certo dia, vem a confirmação: a empresa vai fechar a unidade. Todos estão demitidos. 

A sequência vivida em agosto pelos funcionários da calçadista Di Cristalli, em São Francisco de Paula, na Serra, não é novidade para trabalhadores de fábricas que pareciam ser o esteio econômico de municípios gaúchos nos últimos anos. 

Recessão, crise setorial, reestruturação, companhias em apuros se misturam nas razões que levaram cidades a, de repente, perder o seu maior empregador, como no caso de São Chico, onde 360 pessoas — quase 10% dos celetistas do município — juntaram-se aos 12,9 milhões de desempregados do país.

Mas o choque também abre caminho para a reinvenção. Em abril de 2011, a Calçados Andreza anunciava o fim da produção na pequena Santa Clara do Sul, no Vale do Taquari, onde havia nascido 40 anos antes. 

Mais de 500 pessoas perderam o ganha pão. Era um contingente equivalente a 10% da população do município.

— Foi um impacto muito forte. Não só pelos empregos, mas pela relação da comunidade com a empresa. Um baque. Mas, sem saber que a fábrica fecharia, acabamos nos preparando para isso. Já pensávamos em diversificação da economia. Era uma situação perigosa ser muito dependente da indústria de calçados e ficar refém de uma empresa apenas — conta o prefeito de Santa Clara do Sul, Paulo Cezar Kohlrausch, que à época do fechamento da companhia também estava à frente do Executivo municipal.

Poucos anos depois do susto, há o que celebrar. De 2010 a 2015, último ano em que a Fundação de Economia e Estatística (FEE) calculou o PIB dos dos municípios gaúchos, a economia de Santa Clara do Sul cresceu em um ritmo de fazer inveja às taxas chinesas. Em valores nominais —a FEE não desenvolveu um índice para correção —, o avanço foi 141%, o mais robusto do Vale do Taquari no período.

O reerguimento passou pela consolidação de iniciativas que já eram gestadas, inclusive na produção de sapatos. A calçados Beira-Rio se instalou no município e hoje emprega 900 pessoas. Com a agricultura familiar forte, partiu-se para uma parceria com a Cosuel, de Encantado, para a produção de suínos. De 2004 a 2007, o número de criatórios saltou de 24 para 52. Com a ajuda da Emater, a produção de leite foi qualificada e transformou-se de um caráter mais de subsistência para uma atividade profissional. No mesmo período, passou de 3,7 milhões de litros por ano para 6 milhões.

O aspecto anímico também teve papel importante. Nesse quesito, entrou o incentivo à produção de flores em estufas. Começou com 12 famílias. Nem todas seguem na atividade, mas a cidade se orgulha hoje de colocar no mercado cerca de 40 mil vasos por mês. Intitulou-se Cidade das Flores.

— Essa questão das flores foi mais pelo impacto psicológico que poderia causar — reconhece o prefeito.

De olho em outro nicho em forte crescimento, a prefeitura decidiu, desde o ano passado, incentivar a produção de hortigranjeiros orgânicos. Já são 30 famílias com produção comercial agroecológica. Vendem em uma feira inaugurada no mês passado no município e em dois espaços na vizinha Lajeado. Batizado Santa Clara Mais Saudável, o programa também garante hortaliças livres de agrotóxicos na merenda escolar da rede municipal.

Outra iniciativa incentiva o empreendedorismo na cidade. O espírito é profissionalizar os negócios locais e incentivar compras no comércio, exigindo comprovante fiscal, o que ainda ajuda nas finanças da prefeitura. O programa Santa Clara Tem Valor acabou como um dos cinco vencedores, neste ano, do prêmio Municiência, concedido pela Confederação Nacional dos Municípios (CMN).

Apesar de já ter ostentado o reconhecimento de cidade com melhor índice de desenvolvimento humano (IDH) do país, Feliz também passou por períodos de depressão. A aprazível cidade do Vale do Caí, de canteiros públicos e jardins de residências floridos e bem cuidados, teve o primeiro revés em 1997, quando foi fechada a fábrica da Antarctica, interrompendo a tradição cervejeira local iniciada ainda no século 19. A unidade era um símbolo do município, mas a produção vinha em queda. Quando cerrou as portas, demitiu 150 pessoas, metade do números de funcionários que tinha uma década antes. No ano seguinte, foi a vez da Parmalat parar as máquinas. Mais 153 pessoas perderam o emprego. Parece pouco, mas, nesses dois anos, os 303 postos eliminados significaram a destruição de quase um quinto do total de empregos industriais de Feliz. E 60% do retorno de ICMS foi perdido.

Após o fim de duas indústrias ligadas à história municipal, outro golpe veio uma década depois, quando a Reichert Calçados apagou a luz. Uma das maiores exportadoras de sapatos do país, a empresa resvalou na desvalorização do dólar à época. Chegou a ter 2,5 mil trabalhadores e, aos poucos, foi minguando. Na leva derradeira, foram 300 demissões.

São Chico tenta atrair novas empresas para reerguer a economia. Omar Freitas / Agencia RBS

— Foram baques muito grandes. A autoestima da cidade caiu muito — admite o prefeito Albano José Kunrath, ex-funcionário da Parmalat. 

Nos anos seguintes, foram atraídas novas empresas do ramo calçadista, mas o destino foi o mesmo, embora sem tanto impacto pelo número menor de mão de obra empregada. 

O imenso pavilhão de 19 mil metros quadrados em que funcionava a Reichert, em uma área de 7,8 hectares, era ocupado e, em seguida, desocupado. 

A última tentativa frustrada foi com uma fabricante de micro-ônibus _ que encerrou as atividades há dois anos. Hoje, a percepção é de que houve certo comodismo.

O município contava com empresas de porte grande e, apesar dos sinais de decadência, não procurou diversificar a economia, atrair novas empresas, dar mais atenção a sua base produtiva. 

Agora, o cenário é outro. Investimentos foram atraídos e também há aposta na agricultura, uma base que não se muda para outro município, região ou país em um estalar de dedos.

Para buscar novas empresas, uma das armas foram os incentivos fiscais. Desde que exista a contrapartida de aumento de produção, criação de empregos e tempo mínimo de permanência na cidade, a prefeitura pode devolver até 75% do valor do ICMS gerado pela empresa que retorna ao município. Aos poucos, chegaram novas indústrias. 

A fabricante de ferramentas Simetall se instalou há 11 anos em parte do complexo que era da Antarctica. 

A recapadora de pneus Ost acabou de se instalar no município, gerando cem empregos. Como é do setor de serviço, paga imposto municipal — cerca de R$ 500 mil ao ano.

Em início de construção está a unidade da Master Eggs, empreendimento conjunto de uma série de granjas da região para produzir ovos líquidos pasteurizados.

Até para o galpão da Reichert foi encontrada uma saída. O local, que havia sido desapropriado, foi vendido para a Malharia Anselmi, de Farroupilha, que deve levar parte da produção para Feliz. 

Devido ao tamanho do local, a intenção é fazer uma espécie de condomínio, com várias empresas dividindo serviços como refeitório dos funcionários, portaria e vigilância. E o silêncio do local já foi quebrado. 

A fabricante de ventiladores Dal Moro, de Caxias do Sul, está montando uma unidade em um dos pavilhões. 

Ganhou um subsídio de 25% do valor do aluguel por dois anos. Em troca, vai gerar 30 empregos e se compromete a permanecer por mais dois anos após o fim do incentivo.

A agricultura familiar ganhou um empurrão. Desde 2012, foram investidos R$ 457 mil para ajudar a construir estufas. 

Mais de 260 estruturas foram montadas, beneficiando 200 famílias, para disseminar a produção semihidropônica, técnica que permite usar menos agrotóxicos.

— O município custeia parte do total, mas quer contrapartidas, como aumento da produção. O setor primário é o que dá maior retorno para a cidade — diz o prefeito. 

A tradição cervejeira de Feliz também renasceu. 

Pelo avanço da produção caseira, pelas festas relacionadas à bebida e também a um empreendimento de quatro ex-funcionários da Antarctica, o município ganhou, por lei votada na Assembleia Legislativa, o título de Capital Estadual da Cerveja Artesanal.


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