Eternizado em retrato de Portinari, morre de Covid-19 último ‘Menino de Brodowski’

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 19 de julho de 2020 às 01:18
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:59
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Arduíno Morando morreu aos 83 anos e era o único personagem retratado na série de Portinari que estava vivo

Morreu na última sexta-feira (17) o serralheiro aposentado Arduíno Heitor Morando, aos 83 anos, por complicações provocadas por coronavírus.

O idoso era o último personagem vivo da série de pinturas “Meninos de Brodowski”,  em que Candido Portinari (1903–1962) retratou as crianças de sua cidade natal.

Arduíno, que era hipertenso, estava internado em um hospital particular de Ribeirão Preto (SP), onde ficou entubado por dez dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

O enterro ocorreu na manhã de sábado (18) em Brodowski (SP), de acordo com a filha dele, Mírian Morando Munari.

‘O menino de Portinari’​


Na fila do banco ou no supermercado, Arduíno era conhecido como “o menino de Portinari”, apelido que o enchia de orgulho ao conversar sobre o quadro, que faz parte de uma coleção particular, mas também está nas paredes da casa em que o idoso vivia, em uma réplica de PVC.

A história dele foi contada pela Globo em dezembro de 2019 na série especial “Raízes de Portinari”.

Da janela de casa, Arduíno conseguia ver a residência da família Portinari, que mais tarde foi transformada em um museu. 

Vez ou outra, o aposentado cruzava a praça até à exposição, onde contava aos visitantes a história do dia em que foi retratado por Portinari.

O episódio ocorreu em 1946, quando Arduíno tinha 7 anos. 

Ao ver o menino brincando na rua, Portinari o chamou para dentro de casa, pediu que ele se sentasse em um banco no quintal e, durante dez minutos, eternizou o retrato.

Na época, Arduíno era amigo do filho de Portinari, João Candido, que lamenta a morte do aposentado e relembra com carinho e saudade dos dias a fio em que passavam brincando juntos nas ruas de terra.

O professor diz que o último encontro com o colega foi em outubro de 2019, durante a cerimônia que consagrou como cidades-irmãs Brodowski e a italiana Chiampo, na região de Veneto, onde nasceu o pai de Portinari.

João Candido diz que Arduíno estava saudável e animado durante a cerimônia, motivo pelo qual ele foi pego de surpresa quando recebeu a notícia na manhã deste sábado e, por conta da pandemia, não pôde se despedir.

“A vida passa como um filme ao contrário quando você recebe uma notícia dessas”, diz. 

“É como se um pedaço da minha infância se desgarrasse de mim. Quando se chega a essa idade, você vai tendo sucessivos lutos, e a partida do Arduíno me tocou muito, porque toca em uma infância muito querida”.

Arte e reflexão​

Em contato constante com a obra do pai por meio do Projeto Portinari, que busca preservar a memória do artista, João Candido diz que a morte do amigo de infância por Covid-19 o fez refletir sobre a série “Meninos de Brodowski”.

“A série retratou crianças em estado de pobreza, o que infelizmente continua. Somos um dos países mais desiguais do mundo. Esta obra é um grito pela justiça social”. 

“Se você colocar os quadros dos meninos, um ao lado do outro, é uma paulada no coração. Não tem um que estava sorrindo”, analisa.

O professor diz que, diferente do Arduíno com quem ele conversou há menos de um ano, a versão infantil dele, eternizada no retrato, revela um semblante de preocupação e apatia, característico dos quadros da série, mas que também está estampado no rosto dos brasileiros durante a pandemia.


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