Estudo brasileiro pode ajudar a indicar tratamento para esquizofrenia

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de junho de 2018 às 20:52
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Pesquisa determinou biomarcadores que podem predizer qual o melhor remédio para cada paciente

Com a descoberta nas
últimas décadas de biomarcadores genéticos e bioquímicos relacionados a
diversas doenças, a medicina tem caminhado para se tornar uma disciplina cada
vez mais individualizada e precisa.

Como não há
praticamente testes objetivos que guiem o psiquiatra tanto no diagnóstico como
na escolha da terapia mais adequada, a área tem potencial de se beneficiar
desse tipo de pesquisa.
Um estudo recente capitaneado por pesquisadores brasileiros aplicou essa
abordagem inovadora a fim de aprimorar o tratamento de pessoas com
esquizofrenia.

O grupo identificou,
pela primeira vez, um conjunto de biomarcadores que podem vir a auxiliar
psiquiatras a escolher a melhor medicação para esses pacientes. “Hoje os
psiquiatras conseguem diagnosticar relativamente bem a esquizofrenia, mas eles
não possuem nenhuma ferramenta molecular, nenhum teste, que os ajude a escolher
a medicação mais adequada para um paciente tomar. Eles optam, praticamente, ao
acaso”, diz Daniel Martins de Souza, professor da Unicamp e um dos autores
do estudo, publicado na revista científica Frontiers Psychiatry.

Essa
“loteria” farmacológica, como seria de esperar, traz prejuízos para o
tratamento. Quase metade dos pacientes não apresenta melhoras de sintomas na
primeira rodada de medicação – algo que só pode ser resolvido com a troca do
remédio. Cada rodada de medicação, contudo, demora de quatro a seis semanas
para ter seus resultados avaliados (e podem ser necessárias várias rodadas até
que seja encontrada a droga mais adequada).

Enquanto esse processo de tentativa e erro ocorre, a doença, cujos principais
sintomas são delírios e alucinações, continua progredindo, podendo levar a
danos cognitivos permanentes nos pacientes. Mais grave: cerca de 60% daqueles
que não respondem adequadamente ao tratamento terminam por abandoná-lo em algum
momento.

No estudo em questão,
54 pessoas recém-diagnosticadas com esquizofrenia tiveram o sangue colhido
antes de começarem a receber a medicação. Em seguida, os pacientes passaram a
tomar um dos três principais antipsicóticos disponíveis hoje contra a doença –
olanzapina, risperidona e quetiapina -, indicados por um psiquiatra.
Após tomarem o remédio por seis semanas, os pacientes passaram por nova
avaliação psiquiátrica e foram divididos em bons e maus respondedores, de
acordo com a resposta de cada um à droga administrada. Nesse momento, eles
também tiveram o sangue colhido novamente. 

Ao comparar as amostras obtidas antes e depois da medicação, os cientistas
puderam determinar o perfil lipídico dos pacientes. Por meio de uma técnica
denominada espectrometria de massa, eles estimaram quais lipídios (moléculas de
gordura abundantes no plasma sanguíneo) encontravam-se no sangue dos
participantes e em que quantidades.

O interesse em utilizar os lipídios como biomarcadores reside no fato de que
essas moléculas já foram descritas como associadas à esquizofrenia.
“Estudos recentes mostraram que, nos pacientes com a doença, os lipídios
presentes nas membranas das células cerebrais existem em quantidades
alteradas”, diz Martins-de-Souza. Ademais, as drogas hoje usadas no
tratamento da esquizofrenia influenciam o metabolismo lipídico dos pacientes. 

Com os dados obtidos, os pesquisadores buscam agora desenvolver um teste rápido
que permita ao psiquiatra escolher o melhor remédio para cada paciente, antes
mesmo da medicação começar. “Nosso objetivo é que o médico, logo após o
diagnóstico, colha o sangue do paciente e o envie para nós. Por meio de uma
análise rápida, poderíamos determinar o perfil do paciente como bom respondedor
para a droga ‘a’ e mal para a droga ‘b’, por exemplo”. 

Acertando de primeira, diz Martins de Souza, a severidade da doença não aumenta
e o tratamento progride com a confiança do paciente, que tem maior chance de se
recuperar com o tratamento correto desde o início. “O estudo é muito
interessante e original, mas ainda é cedo para soltarmos rojões”, diz o
psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria
da USP. “O que temos até momento é bastante preliminar. É fundamental que
a partir de agora esses resultados sejam replicados por outros grupos”. 

O neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sidarta Ribeiro é mais otimista. “Trata-se de um trabalho muito bem feito
e com uma abordagem bastante promissora. Ele tenta entender como os efeitos
colaterais do tratamento podem, na verdade, ajudar a encontrar os caminhos para
a melhor terapia, e propõe que, antes de iniciar o tratamento, você possa
descobrir como é o seu paciente. É uma medicina muito mais inteligente que a
atual.”

Doenças psiquiátricas

Um amplo estudo publicado na revista científica Science mostrou
que diferentes distúrbios psiquiátricos – como anorexia nervosa, transtorno
obsessivo-compulsivo e esquizofrenia – compartilham a mesma base genética.

A pesquisa faz parte
do Brainstorm Consortium, empreendimento que analisou o genoma de cerca de 900
mil pessoas para tentar descobrir a influência genética em doenças
psiquiátricas e neurológicas.

No estudo da Science,
pesquisadores nos Estados Unidos exploraram a base genética de 25 desordens
cerebrais por meio da análise dos genomas de cerca de 215 mil pacientes e 650
mil pessoas saudáveis (o grupo de controle). Embora os pesquisadores não tenham
encontrado quase nenhuma sobreposição genética entre as doenças neurológicas,
como a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla, eles encontraram uma alta
sobreposição entre as doenças psiquiátricas. A anorexia nervosa, o transtorno
obsessivo-compulsivo e a esquizofrenia demonstraram a maior sobreposição,
disseram os autores, e a esquizofrenia se correlacionou com a maioria dos
transtornos psiquiátricos em geral.


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