ESCREVER BEM É CONSEQUÊNCIA DE PENSAR BEM

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 21 de agosto de 2019 às 20:08
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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O maior desafio do escritor é a folha de papel em branco. Como preenchê-la, se ela é o retrato em celulose do nosso pensamento? Ao expressarmos uma opinião, desnudamo-nos por completo. E se as pessoas não gostarem do que escrevemos? E se elas perceberem que não temos lá muita coisa a dizer? E se elas nos acharem mais ignorantes do que na verdade somos? E se elas acabarem por descobrir o que nem nós mesmos sabemos que temos?

Escrever é um ato de coragem, mas também de desprendimento. Uma parte de nós será dada ao leitor sem qualquer pudor, pois as entrelinhas externarão o que, de nós, definitivamente não conseguimos controlar. Deixaremos escapar o que nem sequer sabemos fazer parte das nossas memórias ou nossos princípios. Serão os chamados pressupostos e subentendidos. Quase sempre é essa faceta do texto que mete medo no escritor, mas quase sempre delicia o leitor atento, detetive das relações entre tema, texto e autor.
Escrever pode também ser um ato arrebatador, quando não temos coragem de por arreios no pensamento para que ele possa arrebentar a represa, inundar nossas emoções com palavras, frases, relações de sentido. Nesse momento, a caneta passa a correr atrás das palavras que começam a brotar em cascatas, sem dar conta de chegar ao fim de uma frase, sem já estar com a outra no colo. Euforia, nervosismo, mãos suando, coração batendo forte e, no ponto final, a sensação de saciedade. Texto perigoso feito faca de corte fino ou quebra-cabeça com peças espalhadas. É como riacho caindo nas cavernas obscuras da mente, é lindo, mas nunca se sabe onde vai dar.
Se há imagens e ideias querendo correr pelo pátio, deixe-as rolar pelo chão, sujar as roupas, contaminar-se com a alegria das outras e pararem entre risonhas e assustadas diante do choro das que ralaram os joelhos ou perderam uma parte da pele das mãos. Palavras são seres interessantes, pois se relacionam umas com as outras sem nenhum pudor ou preconceito. Às vezes, parecem crianças indomáveis que usam máscaras diversas, nem sempre de acordo com a música tocada. Primeiro, é melhor dar-lhes pés, para fazê-las sentir de perto a realidade. Depois, o negócio é dar-lhes asas, para que possam voar pela imaginação. Palavras, assim como as crianças, são seres mutantes, imprevisíveis, por isso, muitas vezes, o chicote e a cadeira farão de você um domador. Andará sobre a linha que dividirá o medo da excitação.
Escrever pode trazer profunda angústia, quando o fórceps não dá conta de extrair a criança encruada no útero da imaginação e já nos preocupamos com a cesariana que possa salvá-la. Muitas vezes, uma ideia precisa ser subornada com a inversão de valores, a cultura geral ou as experiências pessoais para passar pelo corretor apertado da criação e nascer, dependendo muito da habilidade do médico. Um adubo feito com cada um desses ingredientes pode fazer com que uma semente se transforme em broto e o broto cultivado frutifique. O segredo é atirar-se no papel desordenadamente, sem medo de ser feliz. Depois das vísceras expostas no papel, a escolha de um ingrediente para dar liga ao texto trará consistência ao resultado final.
Se as imagens e as ideias se recusam a tomar forma, não se entregue ao desespero. O Davi, de Michelangelo, nasceu de um bloco monolítico de mármore. Alguns ingredientes devem se somar para dar-lhes forma: uma dose de paciência, um pouco de disciplina e muito de espontaneidade. Como um bom detetive, é ora de vasculhar a mente em busca de relações, confissões e revelações. Sob a face explícita, a face oculta das palavras esconde muitas facetas como num caleidoscópio. Se uma ideia está em estado latente, coloque-lhe plumas, rabisque em volta dela as lembranças que ela lhe traz, depois empurre-a para frente, em seguida a faça voltar sobre seus próprios passos. Observe as suas reações ao deslocá-la para a direita e para a esquerda (a ambiguidade aqui é proposital). Pense no seu interlocutor e jogue-lhe na cara o fato de que aquela imagem tem vida própria, mas não quer se mostrar. Confesse para quem quiser lê-lo a sua dificuldade em descobrir as suscetibilidades de cada definição.
Escrever uma dissertação no vestibular exige uma conduta um pouco mais complexa, um verdadeiro trabalho de detetive, para descobrir o DNA de cada faculdade, já que elas possuem personalidades próprias e só aceitam quem realmente se adapta ao seu meio. Cada uma delas só desce a ponte que separa o castelo do resto da comunidade, o que lhes confere aquele ar de lugar impenetrável, quando o aluno conhece as fresas da chave mestra e os códigos necessários para abrir as portas. Faculdades são temperamentais, têm identidade própria, conceitos próprios e promovem o mais intenso tipo de darwinismo social de que se tem conhecimento na história moderna, o processo seletivo contido no vestibular. Não há lugar para os fracos e os vacilantes, muito menos os arrogantes e vaidosos. O vestibular só admite os camaleônicos, os que se adaptam a qualquer ambiente e se fazem capazes de desenvolver qualquer tipo de tema. Além disso, não se amedrontam diante de tempos escassos e nem de examinadores com caras de poucos amigos. O texto deve ser simples, direto e objetivo, com toques de emoção, espontaneidade, informação e confissão. A redação de vestibular ainda traz consigo um outro pequeno problema: o manual de instruções. Os investigadores nem ligam para isso, estão acostumados a decifrar códigos.


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