Davi Miguel deve retornar a Franca após três anos nos EUA sem transplante

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de novembro de 2018 às 13:32
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:12
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Sem condições de ser submetido a cirurgia, audiência em dezembro deve confirmar retorno ao Brasil

Mais de três anos depois de
arrecadarem R$ 1,5 milhão e se mudarem para os Estados Unidos, os pais de Davi
Miguel Gama devem voltar ao Brasil sem conseguir realizar a cirurgia para a
doença rara do filho.

Hoje com 4 anos, o menino tem
uma síndrome que afeta as funções do intestino, mais conhecida como “diarreia
intratável”.

Uma audiência de conciliação, marcada para 6 de dezembro
pela Justiça Federal deve definir as condições e a data do retorno. Isso porque
foi a Justiça quem determinou a forma como deveria ser gasto o dinheiro arrecadado
com as campanhas feitas pela família.

Davi Miguel se mudou com os pais de Franca para Miami em
julho de 2015, depois de uma campanha que mobilizou até artistas. Um acordo
firmado com a União permitiu o custeio das despesas gerais e do transplante no
Jackson Health System por meio das doações e de repasses extras do poder
público.

Segundo determinado pela Justiça, 70% do valor
arrecadado seria destinado à cirurgia, que não aconteceu. O restante do
dinheiro foi usado com despesas da família – a cada dois meses, os pais
prestaram contas dos gastos com alimentação e moradia, e receberam o reembolso.

A União ainda arcou com o pagamento da nutrição
parenteral de Davi Miguel, que não consegue se alimentar normalmente pela boca. 

Sem cirurgia

Sem condições clínicas para ser submetida
à cirurgia, Davi Miguel nunca esteve na lista nacional de transplantes dos
Estados Unidos, confirmou pela primeira vez o Jackson
Health, que acompanha o menino desde 2015.

Os pais – que chegaram a informar em redes sociais na
internet que o filho estava na fila pelo procedimento – disseram que o uso
recorrente de cateteres causou tromboses no sistema circulatório, o que impediu
o procedimento. “Nossa equipe médica tem sido transparente com a família e
o governo brasileiro a respeito do caso dele, enquanto continua a prover um
tratamento de suporte de vida para Davi. O Jackson avalia a elegibilidade dos
pacientes para serem listados para um transplante baseado em critérios
financeiros, psicossociais, cirúrgicos e médicos. Davi infelizmente não é
elegível para um transplante e nunca foi listado na lista nacional de transplante”,
informou o hospital.

Enquanto ainda alimentava
esperanças de ver o filho curado, mesmo com a impossibilidade anunciada de
antemão pelos médicos, a família viu os recursos destinados à permanência nos
EUA praticamente se esgotarem. “É triste porque a gente veio pra ficar um
ano e meio com a esperança de que fosse feito o transplante e voltar com ele
bem e deu tudo errado”, diz o pai, Jesimar Gama.

Procurado em diferentes
oportunidades, o Ministério da Saúde não se manifesta sobre o caso, ou comenta
a audiência de conciliação.

A pasta enviou uma nota, divulgada segundo ela em março
deste ano, em que confirma a regularidade dos pagamentos à família, mediante a
comprovação dos gastos, e que um médico do Jackson Memorial já declarava que o
paciente deveria voltar ao Brasil por não ter condições de ser submetido ao
transplante. “Quando retornar ao Brasil, o SUS dará toda a assistência
necessária ao paciente”, comunicou.

Esperança

Pouco tempo depois de ser internado no Jackson Health System,
em 2015, Davi foi dispensado para permanecer em casa. O menino teve a cirurgia
descartada pelo hospital por não ter condições de saúde adequadas.

De
acordo com o centro hospitalar norte-americano, esse tipo de decisão é baseado
em critérios internacionais e na chamada Regra Final, protocolo que dita normas
para a doação de órgãos nos Estados Unidos. “Os centros de transplantes
americanos, incluindo o Miami Transplant Institute, no Jackson, aderem a
estatutos e políticas estabelecidas pela Rede de Aquisição e Transplante de
Órgãos (OPTN). Esses regulamentos são projetados para cumprir os requisitos da
Regra Final, que priorizam a alocação de órgãos escassos e aqueles pacientes
que estão mais propensos a sobreviver e a prosperar na jornada do transplante,
o que inclui a necessidade de acompanhamento de cuidados médicos e medicamentos
pós-transplante ao longo da vida.”

Desde então, os pais continuaram
cuidando do menino, nutrindo a esperança de que as veias se desenvolvessem,
conforme o filho fosse crescendo, e dessa forma a cirurgia pudesse ser
realizada. Por isso, a família permaneceu nos Estados Unidos até hoje.

Nesse período, segundo o Jackson Health, a criança foi internada diversas vezes
devido às suas condições médicas deterioradas.

Mas,
enquanto alimentavam a esperança de que a saúde de Davi Miguel melhorasse, os
pais, que não têm visto para trabalhar no exterior, esgotaram quase todo o
recurso destinado à permanência deles no exterior – os 30% do total de R$ 1,5
milhão arrecadado com doações.

Além disso, a família relata
que passou a ter dificuldade para comprar a nutrição parenteral, principalmente
após o governo federal atrasar o pagamento de US$ 47 mil. A conta foi paga, mas
a mesma farmácia deixou de fornecer a alimentação especial, com medo de ter um
calote, segundo Jesimar Gama.

O pai
afirma que recorreu a outra farmácia, mas que o estabelecimento também não
pretendia continuar a fornecer a nutrição parenteral por causa do acúmulo de
novos débitos. “É a alimentação dele. Ele sobrevive dela, vai direito no
sangue, é o que o mantém vivo”, disse.

De um total de US$ 1 milhão
reservado para ser usado pelo hospital, ainda restariam US$ 300 mil, mas o
dinheiro só poderia ser usado na cirurgia. “Alegam que não podem usar
desse dinheiro, que esse dinheiro seria para o transplante, e como ele não é
candidato ao transplante, não podem usar para outros procedimentos”,
explicou Gama. 

A volta ao Brasil

No início de setembro, os advogados de defesa da família se
reuniram com representantes da União para uma audiência de conciliação na
Justiça Federal, em Franca.

Nela, o
governo federal garantiu arcar com as despesas referentes ao retorno da família
ao Brasil, bem como apresentou dois centros – o Hospital Municipal Infantil
Menino Jesus, em São Paulo, e o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre (RS) –
como opções para que o menino continue a ser acompanhado no Brasil.

Uma
contraproposta, que deve ser avaliada em dezembro pela União, foi apresentada
pelos pais, que confirmaram o interesse em permanecer em São Paulo na volta ao
Brasil.

No
entanto, isso não representa a possibilidade de o menino passar por uma
cirurgia a curto prazo. No melhor dos cenários, Jesimar Gama espera que o filho
cresça com saúde até que um dia possa ser operado, adulto, no sistema de saúde
brasileiro. “No momento ele não é apto ao transplante. Pode ser que,
quando ele fique mais velho, as veias se restabeleçam, se recanalizem, mas no
momento ele não tem condições de fazer”, afirma. 

Entenda o caso

Nascido em Franca, Davi Miguel recebeu o diagnóstico da
doença no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Em seguida, passou a ser
acompanhado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Regional em
Franca, e posteriormente, por decisão judicial, foi transferido para o Hospital
Samaritano em São Paulo.

Sem
condições de arcar com o tratamento oferecido no exterior, a família entrou na
Justiça para que a União arcasse com o custeio da cirurgia. A disputa começou
em agosto de 2014. Além da ação, os familiares também promoveram uma campanha
para arrecadar fundos e pagar o procedimento.

A
decisão que obriga a União a arcar com os custos do tratamento ocorreu quase um
ano após o início do processo. A Justiça Federal também determinou que 70% do
valor arrecadado pela família em doações fossem revertidos para pagar as
despesas da cirurgia em Miami. O restante da quantia poderá ser usado para as
despesas dos pais nos Estados Unidos.


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