CRUZ DE ESTRADA

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 26 de janeiro de 2017 às 11:43
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:06
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Entre Patrocínio de Minas e Santa Luzia dos Barros, o caminho que se desvia da estrada e segue rumo à Represa de Nova Ponte mal expõe pequena gruta escondida ao lado, de onde escorre estreito fio d’água. O caboclo da região retém o passo, descobre a cabeça e faz o sinal da cruz.     É diferente naquele sítio a energia que brota do chão, paira no ar e vivifica a brisa, convidando ao recolhimento e à meditação.   

   Em meio à vegetação seca e mirrada, quase colada à gruta, embora comum como as outras dos arredores, uma árvore chama o olhar sem que nada diga por quê. Se o viajante procura, vai encontrar ao pé da árvore uma pequena clareira e nela a insinuação de uma sepultura coberta de grama rala; e nas raízes que afloram à superfície, tocos de velas dizem de mãos piedosas que vieram anônimas orar naquele canto escondido.    

   Qual túmulo pagão sem mercê da proteção divina, nenhuma cruz aparente, nenhum sinal, nenhum símbolo religioso marca o lugar. Mas quem vai rezar, deposita seus votos, roga graças às dores e aflições conta que ali existe a mais santa das cruzes, somente vista pelos que têm olhos da fé.

   Cortada em madeiro vivo, fincada na terra bruta e banhada por lágrimas, a cruz criou raízes, espalhou ramos, subiu ao céu, tornou-se planta e floresceu, não deixando de ser cruz e não deixando de ser árvore.

   Veja na contraluz da árvore o desenho da cruz formado pela galharia forte e radiosa na ramagem que espalha entrelaçada, erguendo seus galhos à busca de alcançar algo maior do que a própria existência….

     À Ave Maria, a natureza silencia e o sol, como se ajoelhasse, cede lentamente o manto à luminosidade da noite… Ao aninhar despede-se da árvore e, em derradeiro olhar, ilumina-a por inteiro e projeta a sombra da cruz na sepultura calada.

   Abraçada pelo cipó florido de São João, a cruz está na árvore, como a árvore está na cruz!

*Esta coluna é semanal e atualizada às quintas-feiras.


+ zero