Como conviver com barulho no trabalho sem perder a concentração

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de maio de 2018 às 05:42
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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Desenvolver a capacidade de abstrair sons indesejados é fundamental para melhorar a atenção e a produtividade

O silêncio faz
diferença para quem quer aumentar ou manter a produtividade no trabalho. Isso
porque o barulho prejudica o cérebro na hora de juntar, quantificar e memorizar
as informações que recebe. “Quando a pessoa é interrompida por um ruído
imprevisto, como uma risada ou conversa agitada, cria-se uma competição de
estímulos mentais”, explica o médico neurologista Jorge Moll, presidente
do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Para manter a
concentração, o volume ideal é de 48 a 52 decibéis, o equivalente a uma
conversa em tom de voz baixo, segundo estudo da Universidade Cornell (EUA).

Em um ambiente mais
quieto, o profissional não fica em estado de alerta o tempo todo, esperando um
barulho que o pegue de surpresa. “Assim, a pessoa relaxa um pouco e
consegue pensar com clareza”, explica Mario Fernando Peres, neurologista
do Hospital Albert Einstein.

Já que não dá para
apertar o botão “silenciar” nos colegas ou na rua, há quem procure se
disciplinar para abstrair os ruídos e manter o foco.

A tradutora Luciane Camargo, 33, convive com quatro obras ao
lado de sua casa. Para driblar as britadeiras, é comum acordar às 4h ou 5h e
ganhar três horas de silêncio logo de manhã. Mas a tática cobre apenas metade
do expediente. Para o resto do dia, foi preciso pensar em um jeito de trabalhar
mesmo com o alvoroço lá fora. “Me imponho uma meta de palavras para
traduzir até um horário e me esforço para manter o foco até lá. Concentração é
treino”, diz.

Quando bate a meta,
Luciane se gratifica com alguns minutos para um café ou para brincar com seus
cães. “Desenvolver a capacidade de abstrair sons indesejados é fundamental
para melhorar a atenção e a produtividade”, afirma o médico e
neurocientista Ivan Izquierdo, coordenador do Centro de Memória do Instituto do
Cérebro do Rio Grande do Sul.

Os indesejados, diz
Izquierdo, são os ruídos. Os que importam são chamados sinais. “Devemos
nos submeter ao barulho e tentar aos poucos ouvir cada som individualmente.
Isolar os sons que importam e deixar de lado o resto é um exercício, o único
jeito de desenvolver essa habilidade”, diz Izquierdo, autor do livro
“Silêncio, por favor!”.

No cérebro, essa
regulação da atenção acontece abaixo do córtex, no tronco encefálico, em uma
região chamada tegmento ventral.

É mais difícil desenvolver essa capacidade de abstração quando o
barulho interrompe o raciocínio de repente, segundo Ana Merzel Kernkraut, que
coordena o serviço de psicologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
“Quando há uma obra ou outro som constante, claro que é incômodo, mas a
pessoa vai abstraindo o som de forma gradativa e demora menos para retomar seu
fluxo de pensamento.”

Quem não consegue ignorar os ruídos pode usar fones de ouvido do
tipo que cancela o som externo, mas desligados, sugere o otorrinolaringologista
Oswaldo Laércio, do Hospital Sírio-Libanês.

Sem música, eles são protetores auriculares bastante potentes,
já que os tradicionais, de espuma, só garantem isolamento de até 25 decibéis
(ou o tique-taque de um relógio).

O consultor de marketing Gabriel Ishida, 30, usa o dispositivo
quando precisa entregar relatórios com muitos dados para seus clientes, onde há
métricas que afetam os investimentos dessas empresas. “Uma vez, a
abstração foi tanta que não percebi uma perseguição policial atrás de mim. O
ladrão estava correndo, e as pessoas gritavam atrás dele. Só notei a comoção
quando percebi sombras passando na minha frente”, conta.

Os fones podem ser
uma alternativa para resolver o problema, mas o ideal é manter os ouvidos
descobertos, segundo Izquierdo, e educar a si mesmo e aos colegas para zelar
por conversas e telefones em volume baixo.
A publicitária Neiva Borges, 43, já trabalhava na Sodexo, quando a empresa adotou escritórios abertos,
sem salas e divisórias, e passou a se policiar para não incomodar os outros. “Reconheço
que falo alto, gesticulo, então ficava de olho se um colega lançava um olhar de
desaprovação”, diz Neiva.

Quando ela precisa
se concentrar, pede um dia para trabalhar de casa ou usa uma das salas de
reunião.

Os escritórios abertos viraram favoritos dos gestores de RH no
Brasil há pelo menos cinco anos e ajudam a melhorar a colaboração, mas podem
afetar a concentração, aponta Peres, do Albert Einstein.

Agora, a empresa planeja criar a “sala da vaca
amarela”, conta a gerente de RH da Sodexo, Verônica Souza. “O plano é
criar esse local, de uso coletivo, onde a norma será o silêncio total”,
diz.


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