Cientistas descobrem remédio que ameniza déficit social em autistas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 8 de setembro de 2018 às 16:06
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:00
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Substância anticancerígena mostrou eficácia no alívio dos sintomas mais emblemáticos do transtorno

O transtorno do espectro do autismo
tem como uma das principais características a dificuldade de interação
social.  

Em busca de uma abordagem para amenizar esse problema,
pesquisadores americanos resolveram testar, em ratos manipulados para ter o
transtorno, um medicamento que interfere na expressão de genes. A substância,
já prescrita para o tratamento de cânceres, surtiu resultados positivos,
mantendo a melhora dos sintomas das cobaias por um período equivalente “a
vários anos em humanos”, segundo os autores.

“Descobrimos um pequeno composto molecular que
mostra um efeito profundo e prolongado sobre os deficits sociais semelhantes
aos do autismo sem efeitos colaterais óbvios, enquanto muitos compostos usados
atualmente para tratar uma variedade de doenças psiquiátricas falharam em
demonstrar a eficácia terapêutica para esse sintoma central do autismo”,
ressalta Zhen Yan, pesquisadora do Departamento de Fisiologia e Biofísica da
Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas de Jacobs, na Universidade de
Buf-falo, e principal autora do estudo, publicado na revista Nature Neuroscience.

Segundo Zhen Yan, estudos de
rastreamento genético humano anteriores mostraram que muitos genes
interrompidos no autismo são semelhantes aos relacionados a tumores. Por isso a
escolha de um composto anticancerígeno para conduzir o experimento. “Existe uma
ampla sobreposição nos genes de risco para o autismo e para o câncer, muitos
dos quais são fatores de remodelação da cromatina (núcleo do DNA) importantes
para a manutenção do genoma e para a sua regulação. Nos apoiamos na especulação
de que é possível reutilizar medicamentos anticancerígenos como tratamentos
direcionados para o autismo”, detalha.

Os pesquisadores utilizaram uma dose bastante
baixa de romidepsina em roedores que sofreram alterações no gene  Shank 3,
considerado um forte fator de risco para o autismo. Um trabalho anterior da
mesma equipe, em 2015, revelou que a perda do Shank 3 interrompe as
comunicações neurais, afetando a função do receptor NMDA, um ator crítico na
regulação da cognição e da emoção, levando a deficits sociais.

Nas cobaias, o medicamento rendeu
resultados positivos após três dias de aplicação, e o efeito durou três
semanas. Segundo Zhen Yan, o período abrangeu da fase juvenil à adolescência
tardia das cobaias, um estágio crítico de desenvolvimento para habilidades
sociais e de comunicação, e é equivalente a vários anos em seres humanos. A
constatação, ressalta a cientista, sugere que os efeitos de um tratamento
similar poderiam ser duradouros. “O resultado mais espantoso foi o efeito
dramático e duradouro da romidepsina sobre os deficits sociais autistas. Nenhum
outro composto tem tais efeitos terapêuticos”, destaca.

Além disso, a romidepsina restaurou mais de 200
genes que foram reprimidos nos animais manipulados para ter o transtorno. “O
autismo envolve a perda de muitos genes. Para resgatar os deficits sociais, um
composto tem que afetar uma série de genes envolvidos na comunicação neuronal”,
explica Yan. “A vantagem de poder ajustar um conjunto de genes identificados
como fatores-chave de risco para o autismo pode explicar a eficácia forte e
duradoura desse agente terapêutico.”

Cuidados

Segundo Ana Kariny, neurologista do
Hospital Anchieta, em Brasília, o trabalho americano tem resultados
interessantes, mas é preciso ponderação na hora de interpretá-los. “Os dados
são bem explicados e argumentados. Porém, temos que ter cuidado para que
ninguém pense que se trata da cura do autismo, porque ainda é uma pesquisa
inicial, feita com ratos”, ressalta.

A médica explica que o déficit de comportamento e
de comunicação, dependendo do grau de comprometimento, pode limitar o
tratamento. O surgimento de novas abordagens medicamentosas, portanto, é
importante para médicos, pacientes e familiares. “Os medicamentos
antipsicóticos precisam ser usados com cuidado. Principalmente para as
famílias, ter uma nova opção seria uma luz no fim do túnel.” Antes disso,
reforça Ana Kariny, são necessários novos estudos. “Acredito que, nas próximas
etapas, seria interessante fazer testes mais voltados para a população
humana  que também consigam mostrar se os benefícios serão mantidos a
médio e longo prazo”, sugere.

A pesquisadora Zhen Yan conta que a equipe
pretende se aprofundar no estudo do uso da romidepsina e de outros compostos
semelhantes. “O próximo passo da nossa pesquisa é encontrar mais e melhores
agentes terapêuticos para tratar os principais sintomas do autismo,
especialmente aqueles que não só funcionam em estágios de desenvolvimento, mas
também aqueles que têm efeitos crônicos na idade adulta com administrações repetidas”, adianta.


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