Cientistas brasileiros testam compostos para combater febre amarela

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 27 de maio de 2018 às 14:03
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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Segundo especialistas, a falta de medicamentos específicos faz com que a doença tenha alta taxa de letalidade

Um desafio de saúde pública no país, a
febre amarela mobiliza cientistas. Não há um tratamento específico para a
doença, o que poderia reduzir a quantidade de mortes — nos últimos 10 meses,
foram registrados 1.257 casos e 394 óbitos, segundo boletim do Ministério da
Saúde. Em busca de resolver esse problema, pesquisadores da Universidade de São
Paulo (USP) usam uma técnica de análise computadorizada para identificar
moléculas promissoras no combate ao vírus e encurtar a chegada de novos
medicamentos aos pacientes.

A estratégia é chamada
reposicionamento de fármacos, baseada na tecnologia High Content Screening
(HCS). Consiste em uma triagem apurada de moléculas, analisadas por meio de uma
varredura computacional. “Meu grupo de pesquisa trabalha com a busca de
fármacos desde 2005. Estive na Coreia do Sul por oito anos e consegui trazer
essa tecnologia de lá”, conta Lucio Freitas-Junior, pesquisador colaborador da
USP e líder do estudo.

Com a técnica, Freitas-Junior e a
equipe analisaram 1.280 compostos, testados no combate ao vírus da febre
amarela. “Essa tecnologia imita o que acontece no corpo humano. Por meio de
pequenas placas de ensaio individualizadas, que são espécies de potinhos, eles
são testados em células do fígado humano, um órgão importante na infecção da
febre amarela, e seu efeito sobre o vírus”, detalha o líder do estudo.
Das mais de mil moléculas testadas, 88 (6,9%) conseguiram, nas células, reduzir
a infecção pelo vírus da febre amarela em 50% ou mais. Os cientistas destacam
que o estudo traz resultados inéditos, ao localizar compostos que antes não
haviam sido descritos com efeito contra a febre amarela, o que oferece uma
oportunidade para o desenvolvimento de fármacos específicos. “Tentamos, nessa
pesquisa, encontrar um caminho mais curto para a criação de medicamentos para a
febre amarela. Queremos uma alternativa além da vacina”, ressalta
Freitas-Junior.

Os processos de desenvolvimento de
fármacos seguem fases de teste em laboratório em modelos experimentais, além de
testes de segurança e testes clínicos, em humanos. Todo esse processo demora
cerca de 10 anos. “Já, a partir da estratégia de reposicionamento de fármacos,
esse tempo pode cair cerca de três anos”, ressalta Freitas-Junior. Entre as
amostras mais promissoras, duas também apresentaram eficácia contra a dengue.

Sem opções

Para José David, infectologista do
Laboratório Exame de Brasília, acelerar a chegada de novos medicamentos pode
amenizar um desafio frequente nos hospitais. “É muito desencorajador quando
temos uma pessoa muito doente e não temos opções. Não há ainda um antiviral
para o tratamento de uma doença dessa magnitude”, frisa. Segundo o médico, as
pesquisas nessa área são muito precoces e, até agora, não renderam opções de
alta eficácia. “Há testes acontecendo com drogas antiparkinsonianas e
medicamentos para hepatite C, que se mostraram promissores, pois são vírus que
compartilham algumas proteínas com o vírus da febre amarela. Mas ainda não
temos um medicamento voltado totalmente para esse problema de saúde.”

Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de
São Paulo (ICB-USP), chama a atenção para a possibilidade de investir em uma
intervenção que impacte na letalidade da doença infecciosa. “O estudo conduzido
por Freitas-Junior permitiu encontrar compostos com atividade antiviral para
febre amarela, e esse sucesso implica na possibilidade de termos, pela primeira
vez, a capacidade de interferir no processo infeccioso e salvar vidas”,
ressalta, em comunicado.

A equipe trabalha, agora, refinando os testes com as 88 moléculas promissoras.
“Estamos isolando vírus de paciente no Brasil e queremos trabalhar com a
manipulação dessas moléculas, uma otimização, para saber se esse potencial pode
ser ampliado”, detalha Freitas-Junior. Segundo ele, o aumento no número de
interessados no projeto pode ajudar a impulsionar os resultados. “O Brasil é um
destaque em produção de vacinas, mas, em relação a medicamentos, o foco está
mais voltado para o mercado de genéricos. Nós trabalhamos em busca de
medicamentos para outros vírus e queremos contar com o auxílio de empresas e de
grupos de fora, que já se mostraram interessados nesse tipo de pesquisa. Esse
sucesso implica na possibilidade de termos, pela primeira vez, a capacidade de
interferir no processo infeccioso e salvar vidas”, finalizou.


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