Cientista brasileira cria ‘caneta’ que detecta câncer durante cirurgia

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 18 de maio de 2019 às 23:19
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:33
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O dispositivo capaz de extrair moléculas de tecido humano e apontar a presença de células cancerosas

Uma cientista brasileira de 33 anos desenvolveu uma espécie de
caneta capaz de detectar células tumorais em poucos segundos. Livia Schiavinato
Eberlin é formada em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
e, apesar da pouca idade, já é chefe de um laboratório de pesquisa da
Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos.


Foi lá que, há quatro anos, ela iniciou os estudos de um dispositivo capaz de
extrair moléculas de tecido humano e apontar, no material analisado, a presença
de células cancerosas. A tecnologia está em estudo, mas já teve resultados
promissores ao ser usada na análise de 800 amostras de tecido humano.

A pesquisadora, que já mora há dez anos nos EUA, para onde se
mudou para fazer doutorado, esteve no Brasil  para apresentar os
achados de sua pesquisa no congresso Next Frontiers to Cure Cancer, promovido
anualmente pelo A.C. Camargo Cancer Center na cidade de São Paulo.

Nos Estados Unidos, Livia ganhou destaque na
comunidade científica ao ser uma das personalidades selecionadas em 2018 para
receber a renomada bolsa da Fundação MacArthur, conhecida como “bolsa dos
gênios” e destinada a profissionais com atuação destacada e criativa em
sua área. O prêmio, no valor de U$ 625 mil (cerca de R$ 2,5 milhões), é de uso
livre pelo bolsista.

A pesquisadora explicou que a caneta, batizada de MacSpec Pen, tem como principal
objetivo certificar, durante uma cirurgia oncológica, que todo o tecido tumoral
foi removido do corpo do paciente. Isso porque nem sempre é possível visualizar
a olho nu o limite entre a lesão cancerosa e o tecido saudável. “Muitas
vezes o tecido é retirado e analisado por um patologista ainda durante a
cirurgia para confirmar se todo o tumor está sendo retirado, mas esse processo
leva de 30 a 40 minutos e, enquanto isso, o paciente fica lá, exposto à
anestesia e a outros riscos cirúrgicos”, explica Livia.

A caneta desenvolvida por ela e sua equipe de
pesquisadores usa uma técnica de análise química para dar essa mesma resposta
que um patologista daria. “A caneta tem um reservatório preenchido com
água. Quando a ponta dela toca o tecido, capta moléculas que se dissolvem em
água e são transportadas para um espectrômetro de massa, equipamento que
caracteriza a amostra como cancerosa ou não”, explica a cientista.

Essa caracterização da amostra em maligna ou não pode ser feita
porque a tecnologia usa, além dos equipamentos de análise química, técnicas de
inteligência artificial para que a máquina “responda” se as células
são tumorais.

Para isso, foram usadas, na criação do modelo,
centenas de amostras de tecidos cancerosos que, por meio de suas
características, “ensinam” a máquina a identificar tecido tumoral. “Na primeira fase da pesquisa analisamos mais
de 200 amostras de tecido humano e verificamos uma precisão de identificação do
câncer de 97%”, conta Livia.

Próximos passos

O resultado dessa etapa do estudo foi publicado na
prestigiosa revista científica Science Translational Medicine em 2017. Depois,
o grupo de pesquisa da brasileira nos EUA ampliou a investigação para 800
amostras de tecido e, mais recentemente, obteve autorização de comitês de ética
de instituições americanas para testar a técnica em humanos, durante cirurgias
reais.

“Apesar dos bons resultados em amostras de
tecido, o modelo ainda precisa ser validado em testes clínicos. Se os
resultados forem confirmados, ainda deve demorar de dois a três anos para a
caneta ser lançada como produto”, opina Livia. O dispositivo já foi
testado para câncer de cérebro, ovário, tireoide, mama e pulmão, e está começando
a ser usado também nas pesquisas de tumor de pele.

Caso a técnica se mostre eficaz também para esse tipo de câncer,
ela poderia ser usada para identificar se pintas ou outras lesões de pele são
malignas sem a necessidade de remoção de uma parte do tecido, o que pode trazer
danos estéticos.

Para Fabiana Baroni Makdissi, cirurgiã oncológica e diretora do
Centro de Referência da Mama do A. C. Camargo Cancer Center, caso confirmada a
eficácia do método em todas as fases da pesquisa, ele trará ganhos nos
tratamentos contra o câncer por permitir maior precisão na retirada dos
tumores. “Uma das coisas mais importantes quando a gente fala de
tratamento cirúrgico é que o cirurgião consiga retirar completamente o tumor.
As taxas de cura vão estar relacionadas a isso, mas temos limitações em
garantir que toda a circunferência do tecido retirado esteja livre de células
tumorais. Então, uma tecnologia como essa, se validada, tem muito a agregar.”

Ela explica que a técnica seria importante porque
nem todos os hospitais contam com um patologista na equipe cirúrgica para
analisar o tecido removido ainda durante a operação. “Nesses casos em que
não há essa análise das margens durante a cirurgia, a taxa de reoperação é
maior”, diz.

Fabiana destaca ainda que a rapidez do novo método pode ter outras
vantagens para o paciente. “A redução do tempo cirúrgico seria um
benefício agregado da técnica, principalmente em pacientes mais idosos, com
doenças crônicas, que têm maiores riscos durante um procedimento cirúrgico”,
diz a especialista.


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