Calçadistas gaúchos têm que apertar o cinto para driblar nova crise no setor

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de setembro de 2018 às 06:58
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:01
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​Queda no mercado interno e situação da Argentina preocupam setor

Nos últimos meses, as notícias de fechamentos de unidades fabris calçadistas no Rio Grande do Sul têm chamado a atenção. 

Foram, pelo menos, seis os movimentos nesse sentido tornados públicos desde junho, indicando dificuldades no setor, um dos símbolos da indústria gaúcha. 

A queda constante no consumo do mercado interno é apontada como a principal causa para as reduções. 

Uma possível válvula de escape, a exportação também não tem comparecido até aqui, e, mesmo com a desvalorização recente do real, não causa euforia para o futuro breve. 

A “onda” de fechamentos teve início ainda em junho, quando, alegando melhorias na logística, a Piccadilly fechou uma das suas filiais em Teutônia. 

No mês seguinte, foi a vez da Dakota encerrar as atividades da filial de Sarandi, justificando a decisão pela queda no consumo, mesmo argumento dado pela Bottero para a decisão de fechar quatro de suas então 18 fábricas no Estado.

Já em agosto, a Di Cristalli – até então, maior empregadora privada de São Francisco de Paula, com mais de 300 funcionários – confirmou o fim da sua operação no município, alegando necessidade de redução de custos para centralizar sua produção na sede da empresa, em Três Coroas. 

Mais trágico foi o fim da Crysalis, também de Três Coroas, que teve a sua falência decretada por não conseguir cumprir os acordos de sua recuperação judicial. 

O movimento, entretanto, não parece ter acabado por aí. A última notícia do tipo veio na segunda-feira passada, quando foi anunciado o fechamento de uma filial da West Coast em Sobradinho. 

Somadas, as vagas de emprego eliminadas com todos os fechamentos chegam a quase 1,8 mil. 

Presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, Heitor Klein vê os fechamentos como consequência da queda da demanda do mercado interno, responsável pela absorção de cerca de 85% da produção nacional. 

“Felizmente, não há encerramento das atividades das empresas como um todo. Anima um pouco porque mantêm a operação e, quando tudo isso passar, há expectativa de recuperação”, argumenta Klein. 

A melhora, porém, só virá com a recuperação do poder de consumo dos brasileiros. Klein defende que há uma série de fatores que impossibilita essa retomada atualmente, destacando, por exemplo, o endividamento das famílias nas faixas C, D e E, que são as responsáveis pelos grandes volumes do setor. 

“O que pode ser postergado, como os calçados, vai sendo jogado para a frente”, analisa o executivo. 

A Pesquisa Industrial Mensal, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reflete o efeito do movimento na produção física do setor. Nos sete primeiros meses de 2018, enquanto a indústria brasileira como um todo apresenta crescimento de 2,5% em relação ao mesmo período de 2017, o segmento coureiro-calçadista vai no sentido contrário, com forte queda de 5,3%. 

Apenas no Rio Grande do Sul, porém, a situação é inversa. Graças a uma recuperação em julho, o volume produzido pelo setor nos sete primeiros meses de 2018 cresceu 1,4% em relação ao mesmo período de 2017. 

Mesmo assim, o segmento segue aquém da indústria gaúcha como um todo, com crescimento de 2,6% no período. 

Klein argumenta que a entrada da nova temporada primavera-verão, com produtos mais leves e baratos, tende a ajudar as empresas, mas não deve representar um fator de crescimento relevante nos volumes. 

Em queda, exportações podem não se beneficiar de desvalorização cambial Algo que pode ajudar o setor calçadista é o mercado externo, ainda mais com a desvalorização do real frente ao dólar, que já passa de 20% desde março.

De janeiro a agosto, entretanto, os importadores não apareceram com força. A queda no período foi de 10,3% em pares exportados e de 10,2% no valor em dólares em relação ao mesmo período de 2017, segundo a Abicalçados. 

A produção gaúcha, com preço unitário médio mais elevado do que a média nacional, sofre menos, com quedas de 1% em pares e 2,3% no valor. 

Um dos motivos é que as vendas para o período costumam acontecer nas feiras internacionais do início do ano, quando a moeda estrangeira ainda estava cotada em torno de R$ 3,20. 

Agora, oscilando em torno de R$ 4,10, o câmbio pode ser um fator de competitividade ao produto nacional nas feiras internacionais do segundo semestre. 

Embora concorde que o câmbio pode favorecer o fechamento de negócios nessas feiras, o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, Heitor Klein, contrapõe que, em geral, as moedas dos países importadores também passam pelo mesmo processo de desvalorização.

“Dessa vez, a desvalorização não se deu só no Brasil, mas em praticamente todos os países, o que neutraliza um pouco o efeito benéfico que poderia ter”, comenta o executivo. 

O caso mais preocupante é o da Argentina, historicamente o principal mercado do calçado brasileiro, que já perdeu praticamente metade do valor de sua moeda em 2018. 

Mesmo assim, de janeiro a agosto, o País voltou a ser o maior comprador da produção nacional, com 8,3 milhões de pares, aumento de 23,2% sobre 2017.

Em valor, a expansão foi de 10,4%, para cerca de US$ 103 milhões. A desvalorização do peso encareceu muito o produto importado, em um momento em que retomávamos fortemente o mercado argentino. 

“O primeiro semestre animou, mas logo veio a turbulência”, comenta Klein, que não acredita ser possível manter o fluxo nos níveis do início do ano.


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