Aulas de música podem melhorar alfabetização de crianças, diz estudo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 9 de julho de 2018 às 23:44
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:51
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Vivência musical pode melhorar consciência fonológica de crianças já no jardim de infância

Além de todos os benefícios usufruídos pela vivência musical,
aprender a tocar um instrumento pode ajudar crianças no entendimento de
palavras e na alfabetização. É o que mostra pesquisa realizada por cientistas
americanos com meninos e meninas matriculados no jardim de infância.

Os investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT) descobriram que aulas de piano têm um efeito positivo sobre a capacidade
de distinguir níveis sonoros, o que auxilia em uma melhoria na discriminação
das palavras. As descobertas foram apresentadas na revista científica
Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Os pesquisadores realizaram a investigação em uma escola chinesa,
em parceria com cientistas da Universidade Normal de Pequim. Participaram do
estudo 47 crianças, que foram divididas em três grupos: um recebeu aulas de
piano com duração de 45 minutos, três vezes por semana; o segundo recebeu
instruções extras de leitura pelo mesmo período de tempo; e o terceiro não foi
submetido a nenhuma intervenção, funcionando como grupo controle. Todas as
crianças tinham 4 ou 5 anos e o mandarim como língua nativa.

Após seis meses, os pesquisadores testaram os participantes quanto
à capacidade de discriminar palavras com base em diferenças de vogais,
consoantes ou tom, já que muitas palavras em mandarim diferem apenas em tom.
Segundo os cientistas, uma melhor discriminação de palavras, geralmente,
corresponde a uma melhor consciência fonológica — relacionada à estrutura
sonora, um componente-chave na aprendizagem da leitura.

As crianças que tiveram aulas de piano mostraram vantagem
significativa em relação às crianças do grupo de leitura extra em discriminar
palavras que se diferem por uma consoante. E, ao discriminar palavras com base
nas diferenças vocálicas, as crianças do grupo de piano e do grupo de leitura
extra apresentaram melhor desempenho do que as do grupo de controle. “Não houve
diferenças mais amplas nas medidas cognitivas, mas as crianças mostraram
algumas melhorias na discriminação de palavras, particularmente para
consoantes. O grupo de piano apresentou a maior melhora”, destaca Robert
Desimone, um dos autores do estudo.

Os pesquisadores também usaram aparelhos de eletroencefalografia
(EEG) para avaliar o funcionamento cerebral dos voluntários e descobriram que
as crianças do grupo de piano apresentaram atividades cerebrais mais fortes ao
ouvir uma série de sons com tons diferentes. Os resultados sugerem maior
sensibilidade a diferenças de altura sonora, o que pode ter ajudado na melhor
distinção de palavras.

Em tempo real

Estudos anteriores mostram que, geralmente, músicos têm melhor
desempenho que os não músicos em tarefas como compreensão de leitura, distinção
de ruído de fundo e processamento auditivo rápido. No entanto, a maioria dessas
pesquisas, segundo a equipe do MIT, foi feita perguntando aos participantes
sobre o treinamento musical que haviam recebido. Desimone e os colegas
decidiram acompanhar os efeitos do contato regular com música.
Para eles, os resultados atestam a importância de as escolas investirem nos ensinamentos
musicais. “As crianças que receberam treinamento musical fizeram tão bem ou
melhor do que aquelas que receberam instrução acadêmica adicional. Isso
significa que as escolas deveriam investir em música e não se livrar da
educação artística para oferecer aos alunos mais aulas tradicionais”, ressalta
Desimone.

Contra transtornos

Rafael Martins, psiquiatra do Centro de Neuropsicologia Aplicada
(CNA), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Rio de Janeiro, destaca que o
estudo é interessante e pode contribuir com estratégias de aperfeiçoamento da
aprendizagem. “É importante para a área de educação e para profissionais que
trabalham com crianças, pois traz evidências de que a música, algo tão presente
nas mais diversas culturas, pode ajudar no desenvolvimento de linguagem e de
algumas habilidades escolares”, destaca.

Para o psiquiatra, o trabalho americano deve avançar,
considerando, por exemplo, a análise de outros idiomas. “Seria importante
avaliar se o mesmo efeito ocorre além do mandarim, pois esse idioma depende muito
mais do desenvolvimento adequado da discriminação de sons e tons na fala”,
justifica. Martins sugere também avaliar se outros aspectos importantes para a
aprendizagem da música, como a percepção de passagem de tempo, podem ajudar no
tratamento adjuvante de crianças com transtornos específicos de aprendizagem.
“Seriam estudos com metodologia semelhantes, mas que foquem em pessoas com
transtorno de deficit de atenção (TDAH), dislexia e discalculia, esclarecendo
se o treinamento musical pode ajudar no tratamento desses grupos específicos”,
complementa.


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