Atendimento precário mata mais do que falta de acesso a médicos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 7 de setembro de 2018 às 16:08
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:59
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No Brasil, são 153 mil mortes por ano por causa do atendimento médico de péssima qualidade

Estima-se
que 5 milhões de mortes por ano em países de média e baixa renda sejam
resultado de atendimento médico precário, de acordo com o primeiro estudo para
quantificar o impacto de sistemas de saúde de má qualidade em todo o mundo. O
número ultrapassa as mortes por falta de acesso aos sistemas de saúde (3,6
milhões).

Os
resultados foram publicados pelo jornal científico “The Lancet”. Ela
foi conduzida pela Comissão de Saúde Global de Alta Qualidade, um projeto do
próprio jornal científico que tem duração prevista de dois anos. 

Financiada
pela Fundação Bill e Melina Gates, ela reúne 30 acadêmicos, formuladores de
políticas e especialistas em sistemas de saúde de 18 países que estudaram como
medir e melhorar a qualidade dos sistemas de saúde em todo o mundo.

Embora muitos dos países de
baixa e média renda tenham feito progressos significativos na melhoria do
acesso aos serviços de saúde, o estudo mostra que o atendimento precário no
sistema de saúde é agora responsável por um número maior de mortes do que a
falta de acesso.

Falta de respeito, consultas rápidas e falhas, e
preconceito estão entre principais problemas listados pelos pesquisadores.

Estima-se que o número total de mortes por cuidados de
baixa qualidade por ano seja cinco vezes maior do que as mortes globais anuais
por HIV/AIDS (cerca de um milhão) e mais de três vezes maior que as mortes por
diabetes (1,4 milhão). “O
direito humano à saúde não tem sentido sem um atendimento de boa qualidade.
Sistemas de saúde de alta qualidade colocam as pessoas em primeiro lugar. Elas
geram saúde, conquistam a confiança do público e podem se adaptar quando as
necessidades de saúde mudam. Os países saberão que estão a caminho de sistemas
de saúde de alta qualidade ​​quando os profissionais de saúde e os formuladores
de políticas escolhem receber cuidados de saúde em suas próprias instituições
públicas.”

O Brasil neste cenário

Segundo a estimativa do estudo, no Brasil, 153 mil mortes por
ano sejam causadas pelo atendimento de má qualidade e 51 mil por falta de
acesso a atendimento de saúde.

Na
Índia, estima-se que 1,6 milhões de mortes por ano sejam por causa do
atendimento de má qualidade (e mais 838 mil mortes devido ao acesso
insuficiente ao atendimento); na China, 630 mil mortes por ano foram devidas a
cuidados de má qualidade (e 653 mil mortes devido a acesso precário). Na
Nigéria, 123 mil mortes por ano foram devidas a cuidados de má qualidade e 253
mil devido a acesso insuficiente.

Estes
são valores conservadores após a subtração de casos de doença que deveriam ter
sido evitados por fortes medidas de saúde pública. “O impacto de cuidados de
má qualidade vai muito além da mortalidade, mas pode levar a sofrimento
desnecessário, sintomas persistentes, perda de função e falta de confiança no
sistema de saúde. Outros efeitos colaterais são recursos desperdiçados e gastos
catastróficos com a saúde. Dado as nossas descobertas, não é de surpreender que
apenas um quarto das pessoas em países de baixa e média renda acreditem que
seus sistemas de saúde funcionam bem”, acrescenta Dra. Margareth E. Kruk, da Universidade de Harvard e presidente da comissão que liderou o estudo.

Os impactos do atendimento precário

A Comissão encontrou problemas sistemáticos na qualidade do
atendimento médico em vários países, em uma variedade de condições de saúde e
nos cuidados primários e hospitalares. Dentre os problemas encontrados
destacam-se:

– Aproximadamente 1 milhão de
mortes por doenças neonatais e tuberculose ocorreram em pessoas que usaram o
sistema de saúde, mas receberam cuidados precários.

– A baixa qualidade é um grande
fator de mortalidade para os serviços de saúde em todas as condições nos países
periféricos, incluindo 84% das mortes por doenças cardiovasculares, 81% das
doenças evitáveis ​​por vacinação, 61% das condições neonatais e metade das
lesões maternas, acidentes em estrada, tuberculose, HIV e outras mortes por
doenças infecciosas.

– O acesso insuficiente aos
cuidados foi um contribuinte proporcionalmente maior para as mortes por câncer
(89%), condições mentais e neurológicas (85%) e condições respiratórias
crônicas (76%), destacando a necessidade de aumentar o acesso a essas condições
juntamente com a melhoria da qualidade.

– Dados de mais de 81 mil
consultas em 18 países descobriram que, em média, mães e crianças recebem menos
da metade das ações clínicas recomendadas em uma visita típica, incluindo
falhas no check-up no pós-parto, manejo incorreto da diarréia ou tuberculose e
falhas ao monitorar a pressão arterial durante o trabalho de parto.

– Um terço (34%) das pessoas em
países de baixa e média renda relatam experiência ruim de usuários, citando falta
de respeito, longos tempos de espera e consultas curtas. Da mesma forma, a
confiança nos sistemas de saúde são baixas.

– O atendimento de baixa
qualidade é mais comum entre os vulneráveis ​​da sociedade. As mulheres mais
ricas que recebem cuidados pré-natais têm quatro vezes mais probabilidade de
relatar medições de pressão arterial e exames de urina e sangue em comparação
com as mulheres mais pobres; mães adolescentes são menos propensas a receber
cuidados baseados em evidências; e as crianças de famílias mais ricas são mais
propensas a receber antibióticos.

– Pessoas com condições de
saúde estigmatizadas, como HIV/AIDS, saúde mental e transtornos de abuso de
substâncias, bem como outros grupos vulneráveis, como refugiados, prisioneiros
e migrantes, são menos propensos a receber cuidados de alta qualidade.


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