A sociedade – uma loja de sapatos

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 28 de outubro de 2020 às 23:30
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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Lucas Paris (professor de humanidades do Curso Criar Redação)

​Há pessoas que possuem senso; há outras que possuem senso e sensibilidade; há poucas que detêm senso, sensibilidade e resiliência; há muitas pessoas que detêm senso, sensibilidade, resiliência e alteridade. Essas sim são as imprescindíveis. Existem para tornar a individualidade multidão, lutar contra os que creem incorporar a doutrinada razão, ensinando-os a praticar a aceitação. Obama portou um slogan emblemático: Sim, nós podemos. Sim podemos construir uma sociedade plural, tolerante, que até pode ser injusta, jamais assassina de peles, credos, gêneros, classes sociais: Todas as vidas importam.

Uma das cenas mais impactantes da história: milhares de sapatos empoleirados de judeus carbonizados nos fornos de Auschwitz. Imaginar que já houve pés dentro deles traz aquela sensação de vazio atroz: “descarnação”, “desrazão”. Uma mórbida loja, testemunha implacável, carimbada nas retinas, tatuada nos cérebros dos que a revistam. Seres, quase humanos, saem da lá não suportando tamanho peso da história, resumo primaz da intolerância humana: o genocídio.

Residem, nos nossos dedos, diferenças. Residem, nos nossos olhos, semelhanças. A maior das necessidades humanas, viver em sociedade: a igualdade na diversidade. Partes do mesmo corpo: lado esquerdo, lado direito. Um só coração. Sempre cremos que, em algum momento, pertenceremos a uma maioria, no entanto só seremos maioria, quando estivermos sós. Na época da burrice radical, decepar um braço, uma perna à custa de manipulação, pode ser um erro gritante: não há inocentes.

Viemos do mesmo barro, mas com tonalidades diferentes. Isso não nos faz brancos, porque fomos tirados do forno antes da hora, nem pretos, porque fomos deixados lá mais tempo. Praticar a resiliência, a empatia, a alteridade, isso é reconhecer-se, para transformar. Os indivíduos não entendem que precisam dos outros para existirem. Os massacres mais horrendos da história vieram a bordo de uma enormidade de preconceitos e atitudes caninas: Não consigo respirar, em um mundo sem trocas, #Metoo.

Luther King alertou: Nunca se esqueça de que tudo o que Hitler fez na Alemanha era legal. O Pastor nunca sonhou com a igualdade e sim oportunidades: brancos e negros sempre serão diferentes, tanto quanto homens e mulheres. Uns precisam se colocar no lugar dos outros, viverem o que os outros vivenciam, perceberem a intransigência das bocas, o silêncio irônico dos olhares, nos dedos em riste, nos punhos acusatórios.“Imagine” Imagine todas as pessoas / Partilhando todo o mundo. “Imagine” um mundo idiotizado / mundo em que as pessoas não sonham / não se veem / uma loja de sapatos/ cada um vê só vê exclusivamente a si / apenas o próprio pé.


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