A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR OMISSÃO

  • OAB Franca
  • Publicado em 29 de maio de 2019 às 13:13
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:25
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E OS CASOS DE INUNDAÇÕES DE VIAS PÚBLICAS

INTRODUÇÃO

Inúmeras cidades brasileiras sofrem com as inundações causadas pelas chuvas sazonais. Tal evento pode trazer diversos danos à bens dos particulares, sejam danos patrimoniais ou extrapatrimoniais.

Diante de tais atos surge a questão da responsabilidade civil da Administração Pública, eis que esta deve atuar para que as vias públicas sejam bem conservadas e não ocorram inundações diante de algo previsível como é o caso da chuva.

Introduzidas tais considerações, para esclarecer a questão faz-se necessário perpassar por breves noções sobre o regime jurídico da responsabilidade civil da Administração Pública, bem como o ordenamento jurídico deve ser aplicado neste caso em específico. Temas estes que serão analisados no presente texto.

A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Administração Pública é civilmente responsável pelos danos causados aos particulares quando constatado que tais danos foram ocasionados por atuação ou omissão lesiva sua, culposa ou dolosa. Sobre a responsabilidade civil da Administração Pública ensinam Ricardo Alexandre e João de Deus:

A responsabilidade civil da Administração Pública consiste na obrigação estatal de indenizar os danos patrimoniais, morais ou estéticos que seus agentes, atuando nessa qualidade, causarem a terceiros, podendo ser dividida em dois grandes grupos: a contratual, decorrente do descumprimento de cláusulas constantes em contratos administrativos, e a extracontratual (ouaquiliana), que abrange as demais situações. (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 1069)

Tais condutas danosas podem ser causadas por atividades corriqueiras da Administração Pública, como por exemplo uma obra pública que acaba danificando a casa de um terceiro; porém, também pode se dar a ocorrência de dano em razão da omissão da Administração Pública, quando esta deixa de agir de modo adequado a se evitar danos, como por exemplo no caso de não remoção de uma árvore morta localizada em via pública, que posteriormente vem a cair em cima de um veículo pertencente a um particular.

Qualquer que seja o caso, o Estado deverá indenizar os danos causados aos particulares; porém, a forma como a Administração responderá civilmente dependerá da maneira em que se deu a ocorrência do evento danoso.

Para se entender melhor sobre o assunto, primeiramente faz-se necessário uma rápida explanação sobre algumas das teorias que dispõem sobre a responsabilidade civil da Administração Pública.

Segundo a teoria da culpa administrativa o dever de o Estado indenizar o dano causado à um particular somente se revela quando comprovada a existência de falta de serviço (faute du service) da Administração, ou seja, esta somente deverá indenizar se o dano ocasionado tenha se dado em razão de irregularidade na execução da atividade administrativa. Tal irregularidade que enseja a culpa administrativa pode ocorrer de três formas: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço.

Ressalta-se que seguindo a teoria da culpa administrativa, é o particular lesado quem deverá comprovar a falta de serviço por parte da Administração Pública para que tenha direito à indenização.

De outro modo, dispõe a teoria do risco administrativo que a atuação da Administração Pública que cause dano aos particulares ensejará a obrigação daquela de indenizar, não sendo necessária a comprovação de ocorrência de falta do serviço ou culpa. Portanto, estando presentes o dano e o nexo de causalidade entre este dano e o fato ocorrido, nasce para o Estado o dever de indenizar.

Lembrando que caso exista a ocorrência de culpa exclusiva da vítima do evento danoso, força maior ou caso fortuito, estará excluído o dever de indenizar do Estado.

Por fim, a teoria do risco integral estabelece que basta a existência do evento danoso e do nexo causal para que surja a obrigação de reparação para o Estado, e, diversamente do disposto pela Teoria do risco administrativo, não existirá a possibilidade de alegação de excludentes de responsabilidade.

Tal teoria tem aplicação bastante limitada, sendo possível apontar como exemplo de sua incidência, casos de danos causados por acidentes nucleares, conforme disposto no art. 21, inciso XXIII, alínea “d” da Constituição Federal.

Após este panorama geral, cumpre especificar qual dasteorias se aplica a cada evento danoso causado pela Administração Pública.

A regra geral é de que o Estado responde objetivamente, com base na teoria do risco administrativo por danos causados em razão de condutas ativas suas, como no exemplo citado no caso de obra pública. Já na hipótese de danos ocasionados por condutas omissivas da Administração, a regra é que se aplique a teoria da culpa administrativa, sendo necessária a demonstração da falta do serviço.

A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO DECORRENTE DE OMISSÃO

Diante do exposto percebe-se que a teoria adota para regular a responsabilidade civil da administração pública quando decorrente de uma omissão sua é a teoria da culpa administrativa. Bem dissertam Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo sobre tal teoria:

Segundo a teoria da culpa administrativa, o dever de o Estado indenizar o dano sofrido pelo particular somente existe caso seja comprovada a existência de falta do serviço. Não se trata de perquirir da culpa subjetiva do agente, mas da ocorrência de falta na prestação do serviço, falta essa objetivamente considerada. (ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 849)

Verifica-se que diversamente do que ocorre nos danos causados por ação da Administração Pública, nos decorrentes de omissão a responsabilidade do Poder Público passa a ser subjetiva, necessitando perquirir se houve ou não falta do serviço no caso concreto.

Portanto, caberá ao particular ofendido provar que a atuação da Administração quando ela se omitiu teria sido o suficiente e necessário para evitar o dano sofrido.

A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO EM RELAÇÃO AOS DANOS DECORRENTES DE INUNDAÇÕES DAS VIAS PÚBLICAS

Após ter se estabelecido as premissas gerais sobre a responsabilidade civil da Administração pública, resta analisar como se dá tal responsabilização nos casos envolvendo danos causados por inundação de vias públicas.

Em geral, verifica-se que casos de inundação em vias públicas ocorrem principalmente em razão da omissão do Poder Público em realizar a efetiva manutenção dos canais pluviais, caracterizando, em tese, falta de serviço. Nesse teor também é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

É subjetiva a responsabilidade civil da administração pública em razão dos danos decorrentes da omissão no dever de manutenção das vias públicas. O conjunto probatório demonstra fartamente que a ré foi omissa visto que não adotou as cautelas necessárias para a conservação do passeio público, como a colocação de tampa resistente em bueiro.(TJ-RS – AC: 70056397789 RS, Rel: Isabel Dias Almeida, Data de Julgamento: 06/08/2014, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/08/2014)

Tendo ocorrido inundação, comprovadamente por inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço da Administração Pública, e ocorrendo dano à particulares, sendo estabelecido o nexo de causalidade entre o fato e o dano, restará configurado o dever de indenizar da Administração.

Ressalta-se que, por não se tratar de responsabilidade objetiva do Estado, o particular deverá demonstrar que a atuação regular da Administração Pública seria o suficiente para que o dano por ele sofrido tivesse sido evitado.

Sendo configurado o dever de indenizar do Estado, este deverá ressarcir o prejudicado de maneira integral, a cobrir todos os danos sofridos, sejam eles de ordem patrimonial ou extrapatrimonial.

Frequentemente é argumentado que no caso de inundação causada por chuvas estaria se configurando a ocorrência força maior, causa excludente de responsabilidade. Porém, tal fato deve ser analisado a luz do caso concreto.

A força maior somente se caracterizará diante de evento irresistível, inevitável, o que em regra não ocorre nos casos de chuvas sazonais, onde o volume pluviométrico já é previsível, sendo dever do Poder Público agir para evitar consequências danosas, pois, repetindo, tal fato é previsível. Nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Ademais, as mudanças climáticas dos últimos anos têm revelado que chuvas fortes, intensas e contínuas, em ambientes urbanos desta cidade, não mais são novidades inesperadas ou imprevisíveis, qualificáveis como episódicas, extraordinárias, surpreendentes, a ponto de se afirmar a inexigibilidade de conduta diversa da Administração Pública, ou seja, que, ante tais fenômenos climáticos, nada poderia ter sido feito, preventivamente, em prol da requalificação do espaço urbano vulnerável.

(…)

Daí, pois, o dever indenizatório da ré, pelos danos correlatos experimentados pela autora. (TJ-SP Apelação nº 0023553- 68.2010.8.26.0053 Rel. Des. Vicente de Abreu Amadei. Julgamento: 23/10/2012. 1ª Câmara de Direito Público)

Ademais, mesmo em caso de força maior, como por exemplo no caso de tempestades inesperadas com elevadíssimo e anormal índice pluviométrico, sendo esta aliada à falta de atuação da Administração para evitar os danos, restará caracterizada a responsabilidade do Estado.

Sobre o tema Maria Sylva Dipietro disserta claramente:

No entanto, mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço. Por exemplo, quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou dos bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente.

Porém, neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 896)

Diante de todo exposto resta claro que a Administração Pública responderá civilmente com relação a todos os danos sofridos por particulares nos casos de inundação das vias públicas, quando verificada a omissão do Estado e o nexo causal com o dano experimentado pelo particular.

Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Veículo atingido por inundação – Perícia judicial que demonstrou omissão do Poder Público na manutenção de bueiros; comprovou sua redução devido a sobreposições de câmaras asfálticas e aumento de área impermeabilizada devido às vias e áreas edificadas – “Faute du service” caracterizada – Chuvas fortes, mas previsíveis; ausência de força maior e caso fortuito – Juros moratórios contados do fato danoso (Súmula 54 do STJ), mas na taxa de 6% ao ano – Reexame necessário e recurso parcialmente providos para reduzir a taxa de juros. (TJ-SP Apelação nº9.213170-58.2007.8.26.0000 Rel. Des. Francisco Vicente Rossi. Julgamento: 07/02/2011. 11ª Câmara de Direito Público)

Conclui-se, portanto, que diante da comprovada falta de serviço causada pela omissão da administração públicas, sendo demonstrado que a atuação regular desta teria evitado os danos causados, estará configurado o dever de indenizar da Administração Pública com relação aos danos causados ocasionados em razão de inundação de vias públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

Leonardo Machado Acosta

Advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.

Contato: (16) 98210-3094

*Esta coluna é semanal e atualizada às quartas-feiras.


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