A cegueira da visão e a cegueira da audição

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 25 de março de 2019 às 10:11
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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Inep cria comissão para verificar se questões do Enem estão de acordo com a realidade brasileira

 Caros:

            Diz o ditado popular: “Em casa em que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. Não me interessa em quem você votou no último pleito. Não me interessa também a que facção partidária pertence. O que me interessa é ponderar sobre algumas situações absurdas envolvendo o sistema educacional brasileiro: brigas, falácias, censura e discursos destrambelhados.  

O senhor “escritor” Olavo de Carvalho “manda prender e manda soltar” na Esplanada: ameaça, aos berros, retirar seu “pessoal”, quando não concorda com qualquer guinada ideológica do grupo em entorno do presidente; participa de banquetes diplomáticos como eminência parda; arvora-se de ideólogo do presidente; funda grupos ideológicos, mentindo que não são (apoiar o movimento “Escola sem Partido” é o maior exemplo); ataca abertamente o, segundo ele, “destoante” vice-presidente da república e praticamente nomeia ministros. Olavo de Carvalho é tido como mentor do ministro da educação Ricardo Vélez que que, por sua vez, é o mentor do presidente do Inep Marcus Vinicius Rodrigues, que, ao que parece, não é mentor de ninguém, é apenas um monitorado à beira do abismo.

O Ministro Velez vive o balança no cargo, mas não cai: a bancada evangélica pressiona, quer mais espaço, chama-o de ‘maçã bichada’. Os líderes da bancada evangélica boicotam uns aos outros, os militares boicotam os dois, os técnicos do Instituto Paula Souza boicotam os três, olavistas boicotam os quatro. A pastora evangélica Iolene Maria de Lima, por exemplo, que seria a Secretária Executiva do MEC, caiu antes de assumir devido a uma entrevista destrambelhada à TV evangélica FELIZ CIDADE. Parece brincadeira, mas não é: três indicados, em três semanas, não assumiram (Luis Antônio Tozi, olavista, foi demitido, em seguida Rubens Barreto da Silva foi nomeado, mas caiu antes de assumir). A conclusão é simples: o MEC virou uma bagunça ideológica. Todo mundo grita, ninguém tem razão.

            Como se não bastasse a bagunça, o MEC virou refém de um grupo de “eleitos”: uma comissão de “iluminados” lerá as questões do banco de dados do INEP, segundo os temas “transversais de pertinência com a realidade social” (seja lá o que isso signifique), as “dissonantes” serão retiradas para posterior adequação (seja lá o que isso signifique). Os “iluminados” são os representantes do Ministério da Educação, Marco Antônio Barroso Faria; o secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior; o representante do Inep, Antônio Maurício Castanheira das Neves, diretor de Estudos Educacionais; e o representante da sociedade civil, Gilberto Callado de Oliveira, procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina.

Por incrível que pareça, a comissão poderá fazer um trabalho cansativo que pode se tornar inútil, pois o presidente poderá vetar a prova. Tenho curiosidade de saber quais serão as conclusões às quais sua excelência chegará, afinal a questão sobre os gays, que o irritou, não defendia ideologia de gênero, versava sobre o dialeto usado por um grupo social. Ninguém vira gay por causa de uma questão de prova, afirmou a até então responsável pelo ENEM, Maria Inês Fini, que logo, em seguida, se demitiu. Ou será Flávio Bolsonaro, aquele que andou sentado na traseira do bugre presidencial durante a coroação do mito, que lerá e aprovará a prova?

Exigia-se, até agora, uma intervenção social na prova de redação. O aluno deveria apresentar “sugestões” para “minimizar” um problema social, mas não ferisse os direitos humanos; atualmente pode ferir os direitos humanos desde que apresente argumentos convincentes. Daqui para a frente, nem Deus sabe como será avaliada essa instrução, nem como serão instruídos os corretores das provas.

Senhores e senhoras: não existe isenção em nada, basta escrever qualquer texto ou ler a obra de qualquer autor ou analisar a atitude dos pais, dos técnicos de futebol, de quem quer que seja. Nenhum professor dará uma aula sem emitir opiniões, mesmo se elas não estiverem explícitas. O senhor Olavo de Carvalho, adepto do movimento “escola sem partido”, tem partido, o da escola sem partido, basta ouvi-lo berrar e bater na mesa nos seus vídeos. Esse negócio de esquerda e direita acorreu na Revolução Francesa (1789). Será que regredimos tanto assim?

Senhores e senhoras: mentores são ideólogos, têm partido político sim. Se não tivessem, logicamente, não seriam ideólogos. A partir disso tudo, a conclusão é simples: ninguém faz a mínima ideia de como será a prova do ENEM 2019, quais serão os possíveis temas abordados na redação e nas questões, mas é claro, óbvio que um exame nacional não foi criado para quem quer que seja fazer proselitismo religioso. Um presidente VETAR questões de uma prova é inédito na história de uma democratura, como a do Brasil: vetar é censurar e esta não está entre as atribuições do presidente da república. “Adequar” questões a uma suposta realidade também é censurar. Já sabemos onde isso vai dar: experimentamos essa coisa durante 26 anos e pagamos o preço até hoje. 


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